18 abril 2024

Especialista em pandemia e em saúde do trabalhador alerta que abertura da Economia vai trazer mais mortes e o recrudescimento da Covid-19

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Na semana em que os órgãos públicos tanto do Governo do Estado como das prefeituras, inclusive da Capital, decidiram flexibilizar e permitir a abertura do comércio e de outros setores da Economia mesmo em meio à maior pandemia de que se tem notícia na história da humanidade, a do coronavirus, o funcionário da Secretaria de Estado de Saúde (Sessacre), Sílvio Moura, de 48 anos, viu-se na obrigação de fazer um alerta dramático às autoridades. Especializado em saúde pública pela Universidade Federal da Bahia (UFB), com ênfase em epidemiologia. e multiplicador da Fiocruz/RJ em Vigilância em Saúde do Trabalhador, Moura acha que a flexibilização é precipitada, chega em hora errada e que, apesar da desaceleração em números de mortos no Acre, a doença pode recrudescer e mais pessoas devem morrer nos próximos dias.

Segundo ele, as autoridades e os próprios setores da Economia interessados na abertura e flexibilização deveriam ter paciência e esperar mais alguns dias, pelo menos até a decisão das autoridades sanitárias na conclusão dos estudos e testes das vacinas que devem por em circulação nos próximos meses. “Isso é questão de dia para termos uma vacina e o ideal é que esperássemos mais um pouco”, disse.

A seguir, os principais trechos de sua entrevista exclusiva ao Amazônia Agora com o alerta:

O senhor acha que só uma vacina seria eficaz para estancar o avanço do Covbid-19?

Sílvio Moura – Essa pandemia é algo inusitado para toda a humanidade. Traz com ela não só a pandemia viral e altamente letal mas também uma outra, a do medo e da solidão, principalmente para nós, acreanos, que somos acostumados a viver em bandos, visitando uns aos outros, indo ás casas de parentes, de amigos, ao futebol, aos bares, aos restaurantes, às esquinas…Com ela, além de termos o vírus, temos o pânico e a sensação de solidão, uma situação em que não podemos dar um abraço e não podemos falarmos com alguém de perto, isso é muito ruim. Isso nos leva fatalmente ao pânico e à depressão.

Você contraiu o vírus?

Eu contraí e fiz o tratamento em casa mesmo, não fui em hospital e não fui notificado – minha família toda também não.

Quantas pessoas da sua família pegaram?

Seis pessoas diretamente da minha família pegaram por conta de que fui eu que levou o vírus para dentro de casa, o que é a realidade da maioria das famílias acometidas pela doença.

Todos sobreviveram?

Todos sobreviveram, graças a Deus. Mas duas vizinhas, que moravam na frente da minha casa, morreram. Só numa rua, no Manuel Julião, pelo menos três pessoas foram a óbito por conta da doença.

Com a sua experiência em epidemiologia, uma pessoa é capaz de contaminar quantas até perceber que está doente?

Na epidemia, há uma estatística que diz que a cada caso notificado, há em torno de outros cinco. Só que, como esse vírus está com uma incidência alta no Acre, eu creio que, a cada uma pessoa pode infectar outras oito ou 16 pessoas. Se a gente pegar a população total do Acre, que hoje é de 881.935 habitantes, vamos ter aí em torno de 25% desse total contaminados – hoje! Isso significa que 75% da população do Acre ainda pode se contaminar. Tudo o que foi feito ate hoje, de isolamento social, de construção e equipamentos para hospitais – e é preciso registrar que Governo e Prefeitura têm feito o trabalho que lhes dizem respeito em relação a isso, um trabalho que a gente tem que reconhecer que vem sendo monstruoso, principalmente depois do trabalho da Prefeitura na atenção básica, fazendo a profilaxia, a gente não teve mais tanta pessoas sendo contaminadas diariamente e diminuiu o número de pessoas nas unidades hospitalares e nas UTIs. Mas tudo isso pode ir de água abaixo. Se a gente pegar os dados da letalidade da doença, hoje, do que está notificado com três e poucos por cento, nós corremos o risco de já nos próximos dias termos que jogar esse número para cinco. Isso significa que, de cada cem pessoas infectadas, cinco vão morrer. Seria uma carnificina.

O senhor está assustado então com a ideia de abertura de setores da Economia, como o comércio?

Estamos vivendo um dilema. No comércio, que não sei exatamente como está funcionando em relação ao que deveria ser uma flexibilização lenta e gradual, o que a gente ver veladamente é uma movimentação de muitos setores que não eram para estar funcionando. Vá no centro da cidade e você vai ver a maioria dos camelôs com suas lojinhas abertas, as igrejas da periferia todas fazendo seus cultos. O que isso pode acarretar? Jogar por terra, de água abaixo, tudo o que foi construído até hoje.

Na sua avaliação, qual seria a saída então?

Simples! Ficarmos em casa, à espera da vacina, que está próxima. Temos hoje quatro pesquisas avançadas: uma Russa, uma chinesa que está em teste no Brasil, uma americana que também está em teste aqui, e uma na Inglaterra, que teve um avanço agora e há informações de que em setembro já teríamos a aprovação da vacina para aplicar em seres humanos. Mas isso ainda leva um tempo. Mas a que está mais avançada é a Russa, que deve anunciar agora que está com a vacina pronta. Por esses dias, deve a doença da uma acelerada porque foi descoberto um detalhe que o vírus ataca o que há de mais frágil na pessoa e aí leva à morte…

No caso dos diabéticos então é fatal não é?

Na realidade não só os diabéticos. São os que têm alguma comobirdade. Só que, devido a não está sendo obedecido o distanciamento social, o virus passou a atingir pessoas com idade abaixo dos 50 anos. Por exemplo, os enfermeiros, pessoas, de 30 ou 40 anos, estão morrendo. Quantos enfermeiros já morreram? Quantos técnicos?

Não posso dizer um número certo, mas posso afirmar que é muito mais do que saiu oficializado na imprensa. Quem pode precisar isso é o pessoal do Coren (Conselho Regional de Enfermagem) e o Sindicato da Saúde. Mas a gente sabe que morreram muitos técnicos e muitos enfermeiros.

Muitos médicos também foram contaminados?

Sim, muitos. O próprio Thor Dantas Maia, que fez os principais alertas e estava na linha de frente, teve que recuar e ir para São Paulo doente. O pior é que ninguém sabe, ainda, como tratar. Todos os tratamentos ainda estão em forma experimental.

Na sua opinião, tratamento mesmo só o distanciamento social e, portanto, não deveria haver essa pressão toda para a abertura da economia?

Acho que alguns setores, o próprio comércio, deveriam ir abrindo gradualmente, com bastante restrição de no máximo 25% de sua capacidade. O que não dar para se pensar em reabrir hoje é igreja, católica ou evangélica ou outra denominação, universidades, escolas e creches. Se isso acontecer, vai acontecer com outras famílias o que aconteceu com a minha. Minha mãe, por exemplo, não saiu de dentro de casa, mas eu levei a infecção para ela. Comigo aconteceu exatamente aquilo que falei: nos primeiros 15 dias de isolamento, você até suporta. Mas depois vêm os problemas psíquicos e eu resolvi ir na casa de uma amiga minha. Uma colega dela havia ido a um hospital ajudar amigos e parentes que já estavam com a doença, e não avisou a gente e passou para mim. É gravíssimo o que a gente está vivendo e eu estou muito preocupado com esta alta movimentação que estou vendo na cidade. Sei que a gente está num dilema entre a Economia e a Saúde, mas penso que podemos ter problemas ainda maiores. Temos como exemplo a própria França e Inglaterra, países que flexibilizaram a economia, o vírus voltou com mais força e tiveram que fechar tudo de novo. No Brasil, os exemplos são os estados do Mato Grosso e Santa Catarina, que reabriram e mais pessoas voltaram a morrer. O maior índice de morte no Brasil na atualidade é Santa Catarina exatamente porque as autoridades abriram a economia antes do que deveria ser feito. É preciso que se crie bastante protocolo de acordo com cada comércio. Um exemplo é o Supermercado Araújo, que funciona bem porque é espaçoso, grande, mas, mesmo assim, tem todo o cuidado. O Varejão, lá na Cadeia Velha, também vem cuidando bem, e o comerciante pequeno também ter que ter a oportunidade de fazer porque ele também está correndo risco saúde.

Por Tião Maia, Amazônia

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