20 abril 2024

Só vacinação em massa poderá conter mutações, dizem cientistas

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A linhagem originada no Rio de Janeiro e que contém uma das mais temidas mutações do coronavírus, a E484K, já se espalhou por oito estados brasileiros e seis países. A mais recente análise do sequenciamento genético do Sars-CoV-2 no Brasil revela ainda que a chamada linhagem amazônica, identificada em Manaus e que tem a mesma mutação e outra também preocupante (N501Y), ainda não foi encontrada fora do Norte, à exceção de dois turistas japoneses, mas cientistas dizem que sua propagação é uma questão de tempo.

Onde a pandemia está fora de controle, como no Brasil, é maior a chance de surgirem mutações que favoreçam o vírus. A linhagem do Rio está se espalhando rapidamente. Antes de outubro estava abaixo do nível de detecção, agora já representa 30% das amostras. Nesse ritmo, em seis meses, será totalmente dominante — afirma a geneticista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Carolina Voloch, autora da análise dos genomas do Sars-CoV-2 no país e uma das descobridoras da linhagem do Rio, a P2.

Voloch analisou os dados da Rede Corona-ômicaBR/MCTI, que faz a vigilância genômica do coronavírus.

O temor com essas mutações, e também as da África do Sul e do Reino Unido, é que aumentem a transmissibilidade e reduzam a eficiência de vacinas. Mas não há provas de que as vacinas tenham sido afetadas e, caso isso ocorra, poderão ser atualizadas, a exemplo do que é feito com a vacina da gripe.

Porém, a recomendação da ciência é vacinar, e vacinar o mais depressa e o maior número de pessoas possível, para não dar chance ao vírus.

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Ainda não sabemos qual o real impacto dessas linhagens. Mas não se pode dar chance ao coronavírus. Tem que vacinar em massa rapidamente, antes que o vírus se adapte, e adotar medidas de distanciamento social — afirma o coordenador do Laboratório de Virologia Molecular da UFRJ, Amílcar Tanuri, um dos cientistas que identificou a linhagem do Rio e que agora investiga seu impacto.

Segundo ele, as mutações surgidas na segunda onda da pandemia têm vindo com uma composição genética resistente aos anticorpos. A cepa da África do Sul é resistente ao soro de convalescentes da primeira onda

O conselheiro-chefe de medicina da Casa Branca, Anthony Fauci, disse que as “sinistras” linhagens brasileiras e sul-africana são “mais uma razão para se deve vacinar o maior número de pessoas possível”.

Tanto a N501Y quanto a E484K afetam o RDB, a região mais crucial da proteína mais importante do coronavírus, a espícula — ou S. Ambas já foram associadas a uma maior transmissibilidade, em especial a N501Y. Mas a E484K suscitou alertas globais esta semana por, em tese, permitir a o vírus escapar dos anticorpos.

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As mutações de escape são um tipo de alteração que fazem com que o vírus fuja do ataque dos anticorpos neutralizantes. Além de permitir reinfecções, ela poderia afetar a eficácia das vacinas, mas nada foi ainda comprovado.

— As vacinas podem continuar a funcionar porque elas não contêm anticorpos apenas contra o RDB. Porém, os anticorpos tanto da infecção natural quanto da vacina teriam sua eficiência reduzida. Isso pode explicar em parte os muitos casos suspeitos de reinfecção vistos em Manaus e outros lugares — salienta Voloch.

A cientista analisou 308 amostras de genomas recentes do coronavírus no Brasil. Além do Rio, a cepa P2 foi encontrada em São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná, Bahia, Paraíba, Alagoas e Amazonas. Se espalhou ainda por Reino Unido, Canadá, Argentina, Noruega, Irlanda e Cingapura.

Já a linhagem P1, a de Manaus, foi identificada até a análise mais recente (dia 14) apenas no Amazonas e no Japão, em dois turistas que voltaram infectados após visitar a Amazônia. A “linhagem brasileira”, como é conhecida a P1 no exterior, já levou o Reino Unido a impor restrições à entrada de brasileiros. Esta semana a União Europeia fez um alerta global sobre o seu risco potencial. Como o Brasil sequencia muito pouco, outras mutações podem existir sem terem sido detectadas.

Mas não se pode dizer que essas linhagens são responsáveis pela explosão de casos. A culpa do agravamento da pandemia é das autoridades de saúde, que não adotaram medidas de contenção. A pessoa só se infecta ou reinfecta se for exposta — diz Voloch.

Um dos virologistas mais experientes do Brasil e presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, Pedro Fernando da Costa Vasconcelos diz que o surgimento de tantas mutações preocupantes significa uma circulação brutal do vírus, o que permitiu a algumas alterações que lhe eram favoráveis surgir e se estabelecer.

— O coronavírus não se espalhou sozinho. Teve a ajuda do “vírus” da má gestão — frisa Vasconcelos.

Falhas de gestão

A emergência de coronavírus mutantes no Brasil trouxe muitos temores e uma única certeza. Esta é a de que não existe dúvida de que as mutações só emergiram e se espalharam porque o país nunca adotou medidas de contenção eficazes.

— Era para o Brasil ser um exportador de vacinas e não de coronavírus mutantes. Mas o negacionismo e a falta de políticas públicas nos levaram a uma situação de explosão de casos, falta de vacinas e emergência de mutações que causam apreensão. O coronavírus fez o que quis no Brasil — afirma Fernando Spilki, coordenador da Rede Corona-ômicaBR/MCTI, criada para a vigilância genômica do coronavírus.

Spilki é um dos líderes de um esforço da comunidade científica brasileira para descobrir se essas mutações, de fato, tornam o coronavírus mais transmissível, patogênico ou ainda capaz de escapar dos anticorpos.

Cientistas de 12 laboratórios de universidades, como a UFRJ, a USP e a Unicamp, e centros de pesquisa, a exemplo da Fiocruz, e criaram uma frente de investigação, na semana passada.

— A meta é manter a confiança nas vacinas e estarmos prontos para atualizar, se for o caso — acrescenta.

Um dos raros especialistas em coronavírus do Brasil antes da pandemia, Edison Durigon, chefe do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciência Biomédicas da USP, diz que não é possível saber o impacto das mutações sem estudos experimentais.

Durigon e sua equipe fazem um trabalho fundamental. Isolam e cultivam as cepas de Sars-CoV-2 e distribuem para outros laboratórios do país. Estes estudam principalmente a capacidade de as novas cepas escaparem do ataque do sistema imunológico, o principal dano que uma variante pode trazer. Caso alguma dessas cepas novas de fato apresente mecanismos de escape, teremos um grande problema, diz ele.

Mas mutantes sozinhos não fazem o estrago que a pandemia tem causado no Brasil, destaca Durigon.

É muito fácil por a culpa em vírus mutantes. Mas o maior problema mesmo é a falta de medidas de contenção, que permite uma circulação elevadíssima e perigosa do coronavírus. Sem as pessoas, o vírus não faz nada v salienta.

Cientistas como Durigon sabem que o surgimento de variantes por si nada tem de excepcional. Nisso o Sars-CoV-2 se comporta como qualquer outro vírus. Como as pessoas continuam a se expor, o vírus tem chance de sobra para se multiplicar e, nesse processo, mutações perigosas podem emergir.

— Mas não acredito que essas linhagens de Manaus e do Rio se tornem um problema para as vacinas e mesmo para a reinfecção. E sempre há a possibilidade de adaptar as vacinas às variantes. Para isso, precisamos de vigilância e muita ciência.

É provável, dado o ritmo da pandemia, que até o fim do ano o vírus tenha mudado ao ponto de gerar um novo subtipo. Atualmente, os pesquisadores dizem ser impossível saber quantas variantes do coronavírus estão em circulação no Brasil. O Reino Unido sequencia os vírus de quase 70% dos testes de PCR que faz ou 10 mil genomas por dia. O Brasil desde o início da pandemia, não chega a cerca de dois mil no total.

— A gente testa muito pouco e sequencia ainda menos. E regredimos em vez de avançar. Hoje em São Paulo um exame de PCR leva até 10 dias no sistema público para ter resultado, o mesmo prazo do início da pandemia, tarde demais. Por isso, estamos no escuro no Brasil, não surpreende o coronavírus aproveitar — afirma Durigon.

Boris: mais mortal

O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, disse ontem que há evidências de que uma nova variante da Covid-19, descoberta no ano passado, poderia estar associada a um aumento na mortalidade.

Além de se espalhar mais rapidamente, também parece haver alguma evidência de que a nova variante, descoberta pela primeira vez em Londres e no sudeste da Inglaterra, pode estar associada a um grau aumentado da mortalidade — disse o premier.

Ele acrescentou que todos os testes atuais mostram que as duas vacinas que o país está usando ainda são eficazes inclusive contra as novas variantes. Desde dezembro, o Reino Unido já imunizou 5,4 milhões de pessoas com as vacinas Pfizer/BioNTech e AstraZeneca/Oxford.

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