16 abril 2024

50 anos de carreira: Lucélia Santos anuncia peça sobre Chico Mendes e possível candidatura à Câmara Federal

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Trinta e quatro anos depois de sua morte, em dezembro de 1988, em Xapuri, interior do Acre, a voz do sindicalista Chico Mendes vai ecoar pelo Brasil, com a peça “Vozes da Floresta”, dirigida e interpretada pela atriz Lucélia Santos. A atriz brasileira mais conhecida no mundo anunciou que, entre seus projetos para 2022, que inclui a possibilidade de uma candidatura sua à Câmara Federal pelo PT, partido no qual milita praticamente desde sua fundação, está a apresentação da peça em todo o país, com a voz de Chico Mendes, gravada por ela durante uma longa entrevista em maio de 1988, em Xapuri, contando sua própria história e do movimento de seringueiros do Alto Acre no enfrentamento ao chamado projeto de bovinização da Amazônia, que visava substituir a floresta pelo capim e o homem Amazônia, pelo gado.

O anúncio da apresentação da peça nos palcos do país foi feito pela própria atriz numa longa entrevista concedida à Fundação Perseu Abramo, a câmara de cultura e memória do Partido dos Trabalhadores na qual a artista, além de anuncia a possibilidade de disputar um mandato na Câmara dos Deputados, revela que está preocupada com o presente no país, principalmente depois do governo Bolsonaro, e vislumbra cenários de tempos duros e muitos desafios para o povo brasileiro. Ao longo dos anos, Lucélia acompanhou comitivas presidenciais a outros países e acumulou fãs notáveis, como Fidel Castro e Nelson Rodrigues, o dramaturgo brasileiro mais conhecido. No ano em que completa 50 anos de carreira, a atriz parece dividida entre celebrar seu trabalho como artista e concorrer a uma vaga no parlamento.

Mas, a parte mais visível de sua militância política, deu-se no Acre, quando ela travou contato com Chico Mendes. Então filiada no PV, ela e outros militantes verdes buscavam atrair Chico Mendes para ser candidato a governador pela sigla, nas eleições de 1990. Lucélia Santos esteve pessoalmente em Xapuri no ano em que o sindicalista seria assassinado para lhe fazer o convite. Chico Mendes ficou de pensar na ideia, mas não ouve tempo. Faltando menos de dez dias para o ano de 1988 terminar, ele foi morto com um tiro no peito, no quintal de casa.

Mas, antes, além do legado de sua luta, deixou a entrevista gravada com Lucélia, durante visita da atriz em Xapuri. Ela tem uma série de trabalhos e comemorações engatilhados para 2022, além da peça “Vozes da Floresta”, na qual conta a história do seringueiro e ativista. A voz de Chico Mendes, captada há 34 anos, é o enredo principal da peça, a qual, aliás, já foi apresentada em Xapuri por ocasião da Semana Chico Mendes, em 2021.

“É inimaginável. Mas é o que está acontecendo desde que esse sujeito assumiu: um desmonte”, disse a atriz sobre o Governo Bolsonaro, durante a entrevista. “Desde a classe científica, que atinge a Anvisa — e precisamos agora imensamente dos cientistas funcionando bem porque dependemos muito deles nesse momento de pandemia – até indústria, agrário, agroecologia, agrofloresta, Funai, meio ambiente… Todo esse desmonte já tem uma consequência imediata para o Brasil. Nunca nossas florestas foram tão destruídas como agora. Para mim, essa é a maior preocupação. Porque o que se destrói em termos de florestas amazônicas e de outros biomas, como cerrado, pantanal e etc, é possível que nunca mais se consiga repor. Hoje, a floresta amazônica produz mais gás carbônico com as queimadas do que é capaz de absorver. Isso é um ponto de desequilíbrio que se a gente não mexer e não mudar imediatamente, com todos os esforços nacionais e internacionais, corremos o risco de perder o maior bioma do planeta. É a maior tragédia de todas. É algo que não se pode recuperar. O que [o ex-ministro] Ricardo Salles fez são erros crassos e de tamanha gravidade para o bem comum que isso é a minha maior preocupação para o país. Com a destruição dos biomas vem a destruição dos rios, a contaminação dos rios pelo mercúrio do garimpo descontrolado e ilegal. Tudo isso dentro da floresta. É desgraça demais para pouco país. É madeireiro, grileiro de terra, mercúrio nas águas, é toda a ganância do capital expressa de uma forma contundente contra a Amazônia”, disse a atriz, ao justificar os motivos que estão levando-a fazer ecoar a voz de Chico Mendes pelos palcos brasileiros.

“Quando falo da Amazônia, eu me refiro não só à fauna e à flora, mas também às pessoas que vivem lá. Elas são muito fortes, mas estão levando porrada em cima de porrada. Hoje, no Brasil, os povos que mais sofrem e apanham são os indígenas e os quilombolas, que vivem nesses biomas sagrados. Eles são os cuidadores. Não fossem esses guardiões, já não existiria mais nada. Eu milito nisso há mais de 34 anos. Estava nessa frente de batalha lá atrás, com o Chico Mendes. E continuo na mesma frente. Nunca houve tamanho retrocesso na história do Brasil. Nunca houve tanta destruição, queimada, desmatamento e tanta perseguição aos povos da floresta, desde a ditadura militar. Nos anos 70, eles invadiam as casas dos seringueiros, queimavam, estupravam as mulheres. E, hoje, dentro das reservas extrativistas, onde estive recentemente, voltaram a queimar casas de seringueiros e de lideranças indígenas. São ameaçados e assassinados. Para mim, esse é o maior nó a ser desatado pelo próximo presidente da República. Eu queria muito ter mais acesso a essa agenda do Lula, que apoio incondicionalmente. Gostaria de participar de projetos onde fossem apresentados caminhos aos presidenciáveis, para que fossem assumidos compromissos com essa agenda verde”, acrescentou.

Sobre a peça em si, a atriz disse que já fez duas únicas apresentações em Xapuri (AC), na data do 33º ano do assassinato do Chico Mendes, e uma outra sem maiores ensaios. “Todos os anos, de 15 a 22 de dezembro, acontece a Semana Chico Mendes em Xapuri, onde ele viveu e os sindicatos foram criados e todo aquele Vale do Acre. Todo o trabalho dele está muito ligado àquela região. Foi ali que estive com ele, entramos pelas matas. Foi lá dentro da floresta que comecei a minha militância. Então, fiz questão de ir, até de uma maneira bastante crua, sem financiamento, sem recursos. Fui na raça, inclusive, sem muitos ensaios. E consegui fazer o melhor que pude. Foram duas apresentações. Fui porque para mim tinha um cunho de emoção muito forte pela comemoração da data e, somado a isso, o fato de estar em pleno pulmão do governo Bolsonaro. Pretendo levar essa peça para o Brasil inteiro. Devemos começar por São Paulo, em abril, em uma das unidades do SESC. Depois, devo fazer interior de São Paulo e começar a viajar o Brasil construindo uma agenda para a peça”, afirmou.

Em “Vozes da Floresta”, prossegue a atriz, conto a história na voz do próprio Chico Mendes porque quando eu estive lá, em 1988, gravei uma longa entrevista na qual Chico conta a história do movimento dos seringueiros e a fundação dos sindicatos, tudo o que ele estava sofrendo, a forma como saiu do Brasil, a aproximação e o respeito que ganhou nos EUA, o prêmio internacional… Isso tudo é o que conduz a narrativa da minha peça. Do ponto de vista de dramaturgia, de teatro, é construída pelas falas de três mulheres: a Valdiza Alencar, a primeira seringueira da história do Acre e quem fundou o sindicato. Outra é a dona Cecília Mendes, tia do Chico [Mendes] e que acompanhou toda a trajetória dele até a morte. E a terceira sou eu mesma, como um testemunho de 1988, quando cheguei e peguei o movimento no auge do conflito”. Dona Cecília Mendes já é falecida mas sua voz também foi gravada.

Lucélia Santos disse que tenta resgatar a história com sua arte. “Essa memória é o que a gente tenta resgatar. É a minha ação ao fazer uma peça como essa. Em “Vozes da Floresta”, falo de vários companheiros que perderam a vida, inclusive antes do Chico, como Wilson Pinheiro e outros. Esse inventário de assassinatos, se você for fazer agora, das mortes no campo e na floresta desde que o Bolsonaro assumiu… isso tem que ser inventariado, tem que ser denunciado. Inclusive, em nível internacional, porque é um genocídio, tem que ser tratado dessa forma. Muitas pessoas no Brasil estão tentando emplacar essa discussão com relação a direitos humanos e acho que trata-se de algo muito importante de ser feito. Eu apoio 100%”, disse.

“Você pretende ser candidata ao parlamento?”, pergunta o repórter que a entrevistou. A resposta da atruz: “Não tenho pretensões. Eu acho… se fosse em inglês, não sei se seria “I would like” ou “I should like”, entende? Tenho uma voz que alcança e, por isso, deveria correr o risco e me lançar nessa aventura. Não é uma coisa confortável. Este ano, faço 50 anos de carreira e tenho muitos projetos de exposição fotográfica, lançamento de um fotobook no Brasil e na China, comemorações alavancadas pelo “Vozes da Floresta”.

Portanto, o mais confortável para mim seria ficar aqui no meu mundo, trabalhando. Mas acho que deveria me arriscar por causa do Brasil. A situação é muito delicada e estaria sendo até um pouco egoísta se quisesse me livrar de uma posição coletiva nesse momento institucional. Sempre militei desde muito cedo e acho que tenho essa maturidade para concorrer. Porém, não estou tomando uma decisão ainda porque quero ouvir as pessoas. Vou fazer uma série de reuniões nos próximos dias. Se for me candidatar, vou querer fazer uma campanha criativa, capaz de penetrar via redes sociais e atingir a juventude nesse sentido de mudança de atitude, de comportamento e de discussão sobre onde está a sociedade, para onde ela vai e quais são as transformações necessárias. Gostaria de atingir essa turma da Greta Thunberg. Esse pessoal está aí gritando e a gente tem que gritar ao lado deles porque a questão do clima global é inevitável. Esse é um discurso que precisa ser incorporado pelo Brasil e é a partir dele que precisamos nos mover, colocando a Amazônia no centro da discussão. O Brasil não começa em Brasília nem em São Paulo. O Brasil começa na Amazônia. Se o novo governante entender isso, teremos saídas e soluções. Se não entender, os próximos anos podem ser muito complicados”, disse.

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