Criativa e de sorriso largo, uma menina de 4 anos ganhou a cena em um julgamento sobre homicídio na comarca de Águas Lindas de Goiás, no Entorno do Distrito Federal (DF), na sexta-feira (11/6). Conhecido pelo seu perfil humanitário, o juiz que presidiu a sessão convidou a criança para brincar, desenhar, colorir e ver vídeos no celular com ele, para que ela não prestasse atenção ao depoimento da avó como testemunha do crime.
Na magistratura desde 2013, o juiz Felipe Morais Barbosa contou ao Metrópoles que se preocupou com a criança, Isadora Rodrigues da Silva, logo que ela chegou ao júri popular acompanhada da avó, a comerciante Cláudia da Silva Carvalho, de 48 anos, testemunha fundamental do caso.
Cláudia levou a criança para o fórum porque cuida da neta durante o dia, enquanto os pais trabalham. O julgamento começou às 10h, antes do horário de expediente do Judiciário goiano, que funciona das 12h às 19h. Por isso, não havia servidor para cuidar da menina, que estava agarrada à avó durante todo o tempo.
“Fui até a Isadora e falei ‘vamos sentar com o tio’, ficar desenhando”, relatou o magistrado. “Assim que ela se sentou para desenhar comigo, o depoimento da avó começou”, acrescenta Barbosa, que recebeu com bastante surpresa a repercussão de sua atitude nas redes sociais.
Sentada do lado direito do juiz, a criança, vestida com conjunto, máscara e laço rosas, concentrou-se nos desenhos. Segundo o magistrado, ela nem prestou atenção às respostas que a avó repassou, durante o depoimento, ao representante do Ministério Público de Goiás e ao advogado.
“Tribunal do júri não é um ambiente leve e indicado para crianças, mas a realidade é mais complexa. Em tempos de pandemia, uma testemunha fundamental foi obrigada a levar a neta, que não queria ficar longe da avó e também não tinha uma servidora no fórum para tentar entretê-la”, escreveu o juiz, nas redes sociais.
A menina criou uma sequência de desenhos enquanto a avó prestou depoimento, durante quase uma hora. “Uma doçura”, afirmou o juiz, em imagem que publicou na internet para registrar o momento ao lado da criança.
Barbosa, que também já atuou nas comarcas de Rio Verde, Maurilândia e Quirinópolis, todas em Goiás, contou que, muitas vezes, testemunhas chegam ao plenário de julgamento acompanhadas de uma criança, porque não têm com quem deixá-la.
“Esse fato é acrescido em tempos de pandemia, e o tribunal do júri não é ambiente interessante para a criança, para a personalidade dela, já que existem policiais armados, agentes prisionais, pessoas algemadas, a depender da situação, e a própria entonação do advogado ou do promotor, ao fazer perguntas”, explicou o juiz.
De acordo com o magistrado, além de colocar em prática a educação que recebeu da família, ele adotou a técnica normalmente usada para inquirir crianças em audiência, quando elas próprias são testemunhas ou vítimas. “Apliquei técnica com criança que nem era testemunha, mas que estava em ambiente que não era o dela”, disse.
“Foi tão bacana que ela não queria ir mais embora, porque queria ficar brincando comigo, escrevendo o nome dela, passando a caneta por cima, conversando sobre o gato dela que subiu em cima do telhado. Saiu completamente da situação do júri e não percebeu o que estava ocorrendo ao redor”, detalhou o magistrado.
A técnica apenas aguçou o sentimento de humanidade e empatia com o próximo ensinado ao juiz, desde que ele era menino. “Acredito que esta sensibilidade venha dos exemplos do meu pai e da minha mãe, que nunca mediram esforços para fazer, com maestria, os trabalhos desenvolvidos ao longo da vida, com um olhar humano para todos”, afirmou.
O juiz é filho de médico e de professora de escolas públicas. Nascido na cidade mineira de Leopoldina, a 320 quilômetros de Belo Horizonte, Barbosa só reforçou o seu lado “muito humano”, de acordo com a avó da Isadora. “Ela ficou muito feliz por ter a atenção dele”, disse a comerciante.
“Achei muito ótima a atitude dele, interessante. Ele se preocupou com ela, para não ouvir nem ver nada sobre o caso. É um juiz muito humano, porque não tive como deixar minha neta sozinha em casa e estava preocupada se ela iria ouvir e ficar sonhando, mas, graças a Deus, ela não percebeu nada”, afirmou Cláudia.
A comerciante testemunhou no julgamento sobre o homicídio de um homem, praticado no dia 12 de março de 2019, em uma suposta briga no bar dela, por possíveis desavenças entre a vítima e o acusado do crime. Ele foi condenado a 16 anos de prisão, em regime inicialmente fechado.
Em contraste com o caso em julgamento, venceu o ato de carinho, humanidade e atenção com o próximo. “Já estou com saudades”, escreveu o magistrado, nas redes sociais, esperando reencontrar, em breve, Isadora e a família dela.