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Noivas se casam após esconderem namoro por 10 anos com medo de preconceito: ‘Nosso amor é igual a qualquer outro’

Omnia vincit Amor, que traduzida para o português significa “o amor tudo vence” hoje está marcada na pele da educadora física Norayra Lima, de 31 anos. Foi o mantra que repetia a si mesma durante o processo que passou até que pudesse assumir abertamente o amor que vive com a assessora jurídica Catherine de Azevedo, também de 31 anos.

As duas se conheceram em 2008, foram amigas por um ano e perceberam com um tempo que o sentimento ultrapassava os limites da amizade. As duas se apaixonaram e em 2009 começaram um romance que ficou escondido por uma década. Foram 10 anos até que as duas contassem sobre o relacionamento homoafetivo para as famílias e também aos amigos.

Somente há dois anos as duas conseguem exibir e demonstrar publicamente o amor que vivem em sua forma mais genuína, de parceria, planos e partilhas.

Além de Dia dos Namorados, comemorado neste dia 12 de junho, também é o mês do orgulho LGBTQIA+ e as duas contam como foi libertador poder assumir o relacionamento, com direito a casamento há pouco mais de um mês e postagem nas redes sociais.

“Foi muito libertador, um alívio. Foi como se tivessem tirado um peso de cima de mim, e que eu pudesse ser livre, falar abertamente sobre meu amor, de como sou feliz e como amo e sou amada de uma forma genuína. Foi muito marcante o dia em que pude fazer isso. Acreditei que o nosso amor venceria tudo e passamos por tudo, por esse período de reclusão, de reprimir sentimento, reprimir o que a gente é, acreditando que nosso amor venceria essas barreiras e estamos vencendo, é um processo”, conta Norayra.

As duas se casaram no dia 7 de maio no cartório. Devido à pandemia, não houve festa, mas teve ensaio fotográfico para eternizar a união e também um jantar bem intimista com apenas algumas amigas, que fizeram questão de fazer a surpresa.

Hoje, as duas fazem planos de comprar a casa própria, organizar a vida e até, futuramente, ter filhos. Mas, tudo isso envolveu um processo de autoconhecimento e muita terapia, principalmente porque a educadora física não teve o apoio da mãe.

Como o pai é ausente, a família de Norayra é a mãe e a irmã. Porém, quando assumiu o relacionamento homoafetivo, a mãe não aceitou e hoje estão afastadas. Já os outros familiares acolheram a educadora física. A irmã dela e da Catherine são madrinhas do casamento.

“A gente passou 10 anos namorando às escondidas, não falamos para amigos, nem pra ninguém, porque eu não achava justo falar para outras pessoas e não falar para minha mãe. Então, a gente decidiu que só iria contar aos amigos depois que falasse para ela [mãe] e demorei muito tempo para conseguir. Só quando falei para ela, a gente resolveu abrir. A reação da minha mãe foi muito negativa, até hoje a gente não tem um relacionamento muito bom, ela não aceitou, não entendeu, não aceita mesmo. A gente teve muitas brigas, muitos conflitos, então, o preconceito comigo foi só da parte da minha mãe”, conta.

Desde então, ela e Catherine procuraram ajuda psicológica para lidar com a situação. Por outro lado, Catherine teve todo o suporte dos pais e logo o casal foi acolhido.

Já Norayra assume que esse processo ainda está ocorrendo. A rejeição da mãe é algo que ela ainda tenta lidar, com a ajuda especializada e também da companheira.

“As pessoas falam muito do preconceito fora de casa, de pessoas externas, isso a gente não sofreu, mas o preconceito dentro da família é um processo muito difícil, você vê a pessoa que te ama, que você achava que ia te abraçar e acolher, te rejeitar, não te abraçar porque você tem um relacionamento que ela não acha convencional ainda é um processo doloroso para mim”, destaca.

‘Gosto de gente’

A família de Catherine, no entanto, aceitou o relacionamento das duas e dá suporte. Ela conta que o pai foi o primeiro a saber.

“Em 2015, mais especificamente no Dia dos Pais, meu pai me chamou para conversar e me perguntou se eu teria alguma coisa para conversar com ele. Foi quando me abraçou e disse que poderia contar com ele, que não precisava ter medo, que nada mudaria entre nós e que ele era meu pai, o amor dele jamais mudaria. Foi o melhor presente que pude dar ao meu pai e que, na verdade, acabei ganhando. Ele diz que eu o ensinei uma frase que até hoje ele usa para a vida e que tudo faz sentido. Eu disse que eu não gosto de sexo A ou B, eu gosto de gente”, relembra.

Com a mãe, foi mais difícil, mas hoje ela também lida bem com isso, segundo a assessora. “Meus pais me ligam e antes de perguntarem como eu estou, querem saber da Norayra, vê se pode?”, brinca.

‘Nosso amor é igual a qualquer outro’

Mesmo com uma caminhada difícil, as duas escolheram passar por tudo juntas, segurando firme a mão uma da outra. A parceria das duas se mantém forte e, para as duas, como é libertador poder gritar o amor reprimido por uma década – como é importante soltar a declaração de amor antes contida.

“Eu me cobrava muito em não poder falar para as pessoas, em viver aquela coisa fechada, nesse conflito de querer falar para todo mundo, mas ter medo da família. Isso prejudicou muito, porque eu não me aceitava. Demorei a entender que o que eu estava vivendo era uma coisa comum, genuína, como outro relacionamento qualquer. Nosso amor é igual a qualquer outro, não é melhor nem pior. É real, verdadeiro e igual a qualquer outro”, desabafa Norayra.

O início de tudo é a aceitação, fazer as pazes consigo mesma, se fortalecer. Catherine e Norayra antes de se encontrarem não tinham tido outros relacionamentos homoafetivos. Elas contam que tudo foi um processo; o primeiro desafio foi ter uma conversa franca consigo mesma e se aceitar.

“O que eu tenho a dizer aos casais é que respeitem o tempo de vocês, cresçam, amadureçam, façam terapia, procurem o autoconhecimento de vocês e, principalmente, confiem no amor. Nós temos uma frase que nos acompanha por todo esses anos, que diz que o amor vence tudo e sim, ele vence tudo. E lembrem-se que o “monstro” tá dentro da gente, nós criamos muitos problemas e, às vezes, eles nem existem. O amor cura, ele é maior e ele tudo vence”, pontua Catherine.

Futuro

Apesar de o romance já ter uma longa caminhada, as duas moram juntas há poucos anos e curtem agora a lua de mel. Os planos para o futuro ainda são incertos, mas, no esboço, tem casa própria, talvez filhos e um canto para propagar amor – no sentido mais amplo da palavra, que acolhe, aceita e se torna morada.

E tem sido parceria por 12 anos, na alegria e na tristeza, nos medos e na coragem. As duas seguem juntas, assim como aparecem na maioria das fotos pós casamento: de mãos dadas.

“Na verdade, nem sei dizer o que eu mais gosto na Catherine porque eu gosto de tudo nela. Da pessoa linda que ela é por dentro e por fora, Catherine é aquela pessoa que é impossível não gostar. Gosto do jeito engraçado e desastrado dela, do sorriso que, para mim, é o mais lindo do mundo, da paz e segurança que ela me traz, da sinceridade e de como ela deixa tudo mais leve. É uma mulher incrível e eu sou muito sortuda por tê-la ao meu lado”, se declara a educadora física.

Já Catherine tem uma lista grande de tudo que admira na mulher. Desde o coração bondosa à resiliência. Nas palavras da parceira, Norayra reúne honestidade, lealdade, firmeza e inteligência.

“O que mais gosto nela é a forma que ela sempre tem algo positivo e generoso ao falar. Ela sempre diz aquela palavra que precisava ouvir, sabe? Ela procura sempre ter cuidado nos detalhes das nossas coisas, da família que estamos começando a criar. Enfim, estar com a Norayra é poder saber que tenho o abraço mais carinhoso, a companhia mais incrível e o amor mais verdadeiro 24 horas por dia. É sorte, é trevo de quatro folhas.”

E na força de cada uma, elas se apoiam para recomeçar quando for preciso, ajustar e se transformar. É ter com quem contar nos dias ruins e comemorar nos dias bons. É sobre partilhar, é sobre dar e receber amor e nessa história, mais uma vez ele venceu.

Por Tácita Muniz, G1 AC