Na contramão do que defende o presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou à CPI da Covid que medicamentos como cloroquina e hidroxicloroquina não têm eficácia comprovada contra o coronavírus. Em seu segundo depoimento à comissão, nesta terça-feira, 8, Queiroga mudou o discurso e, quando foi questionado sobre aglomerações promovidas por Bolsonaro, disse que não é “censor” do presidente da República.
Embora o ministro admita agora que medicamentos como cloroquina não têm eficácia comprovada no combate à covid-19, Bolsonaro ainda incentiva o uso dessas substâncias. Somente no ano passado, por exemplo, o Exército gastou R$ 1,14 milhão na produção de 3,2 milhões de comprimidos de cloroquina. A informação consta de documento entregue pelo Ministério da Defesa à CPI.
A última vez em que a instituição solicitou a produção do medicamento foi em março de 2017, quando desembolsou R$ 43,4 mil para 259.470 compridos, quantidade suficiente para a demanda de 2018 e 2019. O remédio é recomendado para tratar doenças como malária, lúpus e artrite reumatóide.
Queiroga disse, mais uma vez, que o uso da cloroquina é discutido na Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec). Assegurou aos senadores, ainda, que a Conitec vai decidir, na próxima quinta-feira, quais são as recomendações para o tratamento hospitalar da covid-19, com “protocolo clínico e diretriz terapêutica”. Ao depor pela primeira vez à CPI, no dia 6 de maio, Queiroga havia afirmado que não faria juízo de valor sobre o remédio exatamente porque esse assunto estava sob análise da Conitec.
O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), questionou o ministro sobre uma nota informativa publicada no site do Ministério da Saúde, no ano passado, orientando a prescrição de cloroquina. Queiroga respondeu que “a nota perdeu o objeto”, mas, mesmo assim, não vai retirá-la do site. “A nota não é protocolo, é informação de dose. Não é um ato administrativo, não cabe revogação. Está no site porque faz parte da história”, disse ele.
O ministro mostrou contrariedade com perguntas sobre o medicamento. “Não tem eficácia comprovada, volto a repetir”, afirmou Queiroga, em depoimento de quase oito horas à CPI. “Se eu ficar na discussão do ano passado, não vou em frente.” Mesmo assim, disse que o tratamento precoce tem provocado “forte divisão na classe médica”.
“De um lado há aqueles como eu, que sou mais vinculado às classes científicas com um pensamento. Do outro lado, os médicos assistenciais que estão na linha de frente, que relatam casos de sucesso com esses tratamentos. Eles discutem de maneira muito calorosa”, argumentou.
Senadores quiseram saber de Queiroga o que ele achava das aglomerações promovidas por Bolsonaro. Perguntaram, ainda, sobre a falta do uso de máscara por parte do presidente, aliada à pregação contrária ao isolamento social.
“O presidente da República não conversou comigo acerca da atitude dele. Eu sou ministro da Saúde. Eu não sou um censor do presidente da República”, respondeu o titular da Saúde. Renan voltou a questionar o ministro, querendo saber se Bolsonaro não ouvia suas orientações. “Isso é um ato individual, senador”, disse Queiroga, sem esconder a irritação. “As imagens falam por si. Estou aqui como ministro da Saúde para ajudar o meu País”.
Houve também perguntas sobre a dispensa da infectologista Luana Araújo. A médica foi anunciada para ocupar a Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19, no início de maio, e depois de dez dias acabou desconvidada.
Queiroga mudou a versão sobre a saída da médica. Em audiência na Câmara, no dia 26 de maio, ele havia sugerido que a nomeação não tinha sido efetivada por questões políticas. “É necessário que exista validação técnica e que exista também validação política para todos os cargos que pertencem ao núcleo de cargos de confiança do governo (…). Vivemos em um regime presidencialista”, disse Queiroga na ocasião.
Nesta terça-feira, porém, ele afirmou à CPI que a “validação política” seria da classe médica, e não partidária. “Questão política não é questão política-partidária, é questão política da própria classe médica. Não é um nome que harmoniza”, argumentou ele, numa referência a Luana, que é defensora da ampla vacinação e contrária ao chamado tratamento precoce.
Na semana passada, Luana disse à CPI não saber o motivo de não ter sido nomeada, mas afirmou que seu nome “não passaria pela Casa Civil”. Queiroga negou ter dado essa informação à médica. “Se a Dra. Luana entendeu dessa forma, é uma questão de entendimento dela.”
Em mais de uma ocasião, Queiroga chegou a ser contestado na CPI até mesmo por aliados de Bolsonaro, defensores de cloroquina. Ele também foi interrompido quando disse não haver infectologistas no Ministério da Saúde, mas, sim, médicos consultores. “O Ministério da Saúde tem, pelo menos, sete infectologistas”, retrucou Marcos Rogério (DEM-RR), vice-líder do governo no Senado. “Então, o ministro está mentindo? Respeita o ministro, rapaz”, provocou Renan.
O relator também questionou o ministro da Saúde sobre o “gabinete paralelo”, grupo de aconselhamento de Bolsonaro fora do Ministério da Saúde. Queiroga foi confrontado com informações de um vídeo mostrando uma reunião no Palácio do Planalto, em setembro do ano passado, na qual o presidente e médicos admitem dúvidas sobre a eficácia de vacinas contra a covid e discutem medicamentos alternativos.
À CPI Queiroga disse que nunca viu esse grupo e afirmou desconhecer sua atuação. Destacou, ainda, que Bolsonaro lhe deu autonomia para conduzir o Ministério. “Mas isso não significa carta branca para fazer tudo. Não existe isso. Até o momento, não houve nenhum ponto que me fizesse sentir desprestigiado à frente do Ministério da Saúde”, observou.
Para o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Queiroga cometeu atos falhos que revelam falta de autonomia. “Hoje ele procurou proteger o presidente da República”, disse Randolfe. “Fez um esforço enorme para tentar se equilibrar na ciência e no negacionismo do presidente.”
Pelo Twitter, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) afirmou que “dá tristeza” ver Queiroga “com mais de 30 anos de carreira na medicina se sujeitar a mentir desse jeito para se agarrar a um cargo de ministro”.