Para Rubens Ricupero, ex-embaixador do Brasil em Washington, a visita de Bolsonaro é “extremamente inoportuna”.
Segundo ele, eventuais acordos não terão impacto no comércio, enquanto o presidente aumentará o isolamento com líderes ocidentais, apesar da tentativa de demonstrar o contrário.
De acordo com o diplomata, Bolsonaro acena à base conservadora porque também irá à Hungria, governada pelo primeiro-ministro Viktor Orbán, líder de extrema-direita.
“Esse tipo de viagem apenas reforça a imagem que Bolsonaro já tem, a de ser um autoritário. Ele vai visitar dois autocratas, figuras antidemocráticas”, diz Rubens Ricupero.
No mês passado, o presidente negou que a visita represente um sinal de apoio à Rússia no atual contexto de crise. Mas, segundo Ricupero, mesmo que Bolsonaro tente se manter neutro, a viagem será interpretada como um gesto pró-Putin, uma vez que na diplomacia “o que você faz, muitas vezes, tem mais eloquência que uma declaração”.
Para o professor Mauricio Santoro, a presença de Bolsonaro em Moscou faz parte do esforço de Putin para mostrar que não está isolado – recentemente visitaram o país os presidentes da França, Emmanuel Macron, e da Argentina, Alberto Fernández.
“Receber o presidente brasileiro é importante porque os russos querem evitar essa imagem de que estejam dependendo basicamente do apoio de países como Belarus ou China”, diz.
O Itamaraty tenta desvincular a viagem de Bolsonaro do conflito na Ucrânia e destaca a oportunidade de ampliar a relação comercial com a Rússia, concentrada no agronegócio, que movimenta cerca de US$ 5 bilhões ao ano.
A cifra é considerada inferior à capacidade comercial dos dois países. O Brasil vende produtos como soja e carne, enquanto compra, em especial, fertilizantes. A Rússia também é um grande produtor de petróleo.
“O comércio [bilateral] representa menos de 2% nas pautas de importação/exportação dos dois países. O comércio exterior da Rússia está voltado para a Europa e se concentra na venda de gás natural e petróleo. Em outras partes do mundo, o grosso é concentrado na venda de armamentos. O Brasil não participa como parceiro importante nesses dois setores”, explica o professor Fabiano Mielniczuk, doutor em relações internacionais e coordenador do programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
De acordo com o Itamaraty, Bolsonaro é o sexto presidente a visitar a Rússia. Brasil e Rússia têm relações diplomáticas desde 1828, com dois períodos de interrupção, e se tornaram parceiros estratégicos em 2000. Os países estão no Brics, bloco de economias emergentes, junto com China, África do Sul e Índia.
Conselho de Segurança
A volta do Brasil ao Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU), em uma das vagas rotativas, ampliou a atenção para a viagem de Bolsonaro.
O país tem votado alinhado com os EUA, o que, segundo fontes do Itamaraty, não deverá mudar. Mas será difícil para Bolsonaro sustentar uma posição neutra por muito tempo, avalia a pesquisadora Larlecianne Picolli.
“O Brasil vai ser chamado de algum modo a se posicionar e a expressar suas opiniões na ONU sobre o que está acontecendo na Ucrânia”, declarou.
Para os especialistas ouvidos pelo g1, um hipotético apoio explícito de Bolsonaro à Rússia teria repercussão diplomática negativa.
Mas, mesmo nessa hipótese, a tendência seria rejeitar uma guerra, analisa o embaixador aposentado e professor da Universidade de Brasília (UnB) Carlos Henrique Cardim.
“A posição brasileira é a posição de sempre — é defender a solução diplomática”, afirmou.
Na avaliação do professor Mauricio Santoro, uma guerra não interessa aos países envolvidos direta e indiretamente no conflito. Para o Brasil, teria impactos econômicos, como queda da bolsa de valores e aumento dos preços de combustíveis.
“Uma guerra na Europa abalaria muito a economia global neste momento delicado da pandemia. Isso traria repercussões negativas para todos os países”, analisa.
O professor Fabiano Mielniczuk afirma que é difícil mensurar neste momento possíveis impactos no Brasil, já que não se tem clareza das sanções econômicas que podem vir a ser aplicadas contra a Rússia no caso de uma invasão à Ucrânia.
A tensão na Ucrânia
A Ucrânia integrou o império russo e foi uma república soviética. Faz fronteira com a Rússia e outros seis países. Em 2014, a Rússia anexou a Crimeia, uma província da Ucrânia, e agora pressiona para barrar a entrada do país na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), grupo liderado historicamente pelos EUA. Os países da Otan, interessados em reduzir a influência russa, se negam a atender a demanda.
O professor Fabiano Mielniczuk, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, explica que a Ucrânia tem na população uma minoria russa e convive com disputas internas entre grupos a favor e contrários à Rússia.
“Se a Ucrânia entrar na Otan, Moscou ficará totalmente impotente para agir caso a situação dos russos no país piore”, afirma.
A aliança de segurança da Otan, criada durante a Guerra Fria, segue ativa e recebeu países do leste europeu, com atuação cada vez mais próxima das fronteiras russas.
Isso desagrada Putin, segundo Larlecianne Piccolli, doutora em relações internacionais, que estuda a política de defesa da Rússia e a disputa nuclear entre países.
Criticado por interferir na soberania de outro país, Putin se opõe à entrada Ucrânia na Otan também por causa do equilíbrio entre nações com armas nucleares, baseado na capacidade de resposta na mesma intensidade a um eventual ataque. Com a Ucrânia integrada, a Otan poderia ter bases mais próximas de Moscou.
“Hoje, com bases da Otan na Polônia e na Romênia, o tempo do disparo até atingir Moscou seria de cerca de 15 minutos. Se o ataque é lançado de uma posição muito próxima, essa relação cai para cinco a sete minutos. Possivelmente, o país agredido não teria tempo de preparar a resposta”, explica Larlecianne, diretora de pesquisa do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (Isape).