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Queda de assassinatos mostra que estados reagiram e colocaram em prática programas de enfrentamento à violência

Os dados divulgados pelo Monitor da Violência indicam redução de 7% no número de crimes violentos letais intencionais, categoria que agrega vítimas de homicídio doloso, latrocínio e lesão corporal seguida de morte. É algo que merece ser celebrado e documentado, especialmente em um ano de eleição para governadores, que são os responsáveis por cerca de 81% dos gastos feitos na segurança pública brasileira. Vale destacar, no entanto, que tais números não incluem as mortes por intervenção policial, que somaram mais de seis mil mortes em 2020, e que exigem uma análise mais detida.

As principais reduções foram verificadas no Acre, que diminuiu em 38% o número de assassinatos; em Sergipe, onde a redução foi de 26,1%; Distrito Federal, cuja queda foi de 20,5%; e Ceará e Goiás, ambos com redução da ordem de 18,3%. Em comum, todos esses estados viveram recordes de crimes violentos no período de 2015 a 2017, o que em grande medida foi influenciado pelo racha entre facções criminosas, que produziu um conflito sangrento bem descrito no texto de análise de Bruno Paes Manso. Rebeliões no sistema prisional e conflitos regionais entre organizações criminosas que atuam no narcotráfico pressionaram sobremaneira a curva de assassinatos, composta também por outros crimes violentos.

Apesar dessa tendência, esses estados reagiram e foram capazes de colocar em prática programas de enfrentamento à violência focados nos grupos mais vulneráveis, implementaram ações focadas em retomar o controle no sistema prisional e avançaram em experiências de integração entre as forças de segurança pública e os Ministérios Públicos.

Ainda há muito a fazer, mas a análise da série histórica mostra que, se considerarmos o período a partir de 2018, quando os homicídios passam a cair no Brasil como um todo, a redução dos crimes contra a vida no Acre chega a 58%; em Goiás a 45%; em Sergipe a 43%; no Distrito Federal a 37%; e, por fim, em 29% no Ceará. Ainda que tenham vivido oscilações neste período, como é o caso do Ceará em 2020, quando as forças de segurança entraram em greve, a tendência verificada nos números mostra que boas políticas de segurança precisam de investimento contínuo para lograrem êxito.

Dito de outra forma, os dados do Monitor da Violência mostram o quão importante é a segurança pública ser vista como atividade de Estado e não de um ou outro governo. Não é possível ficar em um eterno pêndulo de priorizar ou não ações integradas e articuladas. Até porque, apesar da boa notícia no contexto nacional, os dados verificados em alguns estados preocupam, especialmente aqueles na região Norte do país, que historicamente tem problemas de coordenação e controle das ilegalidades cometidas na Amazônia.

O maior crescimento dos crimes contra a vida no país ocorreu no estado do Amazonas, onde o aumento chegou a 54,2%, totalizando 1.571 vítimas de crimes violentos letais intencionais apenas em 2021. O estado vive uma sobreposição de crises no campo da segurança pública: por um lado, após um período de relativa estabilidade com o aparente monopólio do Comando Vermelho na região de Manaus, a violência voltou a crescer com lideranças da FDN se aliando a outros grupos criminosos para tentar reconquistar territórios estratégicos para o tráfico de drogas; por outro, o crescimento dos homicídios nas regiões em que avança o desmatamento indicam a profusão de conflitos fundiários e crimes ambientais que tem tomado a região.

Também entre os estados que mais apresentaram crescimento dos crimes violentos letais intencionais estão o Amapá, com crescimento de 19,1%; o Piauí, com aumento de 11%; de Roraima, com incremento de 10,4%; e de Rondônia com 7,1%. A região norte foi a única do país a apresentar crescimento dos assassinatos no período, com crescimento de 10,4%.

 

Esse crescimento corrobora achados de estudo divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública durante a COP26, em novembro. Segundo esse estudo, na contramão do país, a violência da região Norte, onde está localizada a maioria dos estados da Amazônia Legal, apresenta um crescimento acentuado da violência nas áreas rurais e de floresta, que parece associado às dinâmicas que sobrepõem crimes ambientais e criminalidade organizada. A Amazônia está em chamas e sob julgo da violência e da criminalidade.

Os diferentes modais de transporte são utilizados no crime organizado e há uma sobreposição territorial de diferentes ilegalidades e violências. Narcotráfico, desmatamento, grilagem de terras ou garimpos ilegais são tipos de ilegalidades que, no mundo formal, demandariam a atenção de diferentes agências de fiscalização e controle, incluindo as polícias. Mas, ao não atuarem de forma integrada e existir fricções federativas e entre órgãos de estado, não surpreende que os dados do Monitor da Violência, ora publicados, sinalizem para a permanência da dinâmica da acentuada interiorização da violência observada no estudo.

Esse fenômeno aponta para a importância de conflitos agrários e crimes ambientais, que coexistem e se imbricam no território com as dinâmicas das facções criminosas e da pistolagem. Assim, é preciso investir no fortalecimento de mecanismos integrados de comando e controle, que conectem esferas federal e estadual e, em especial, diferentes órgãos e Poderes (Polícias, MP, Defensorias, IBAMA, ICMBio, Judiciário, entre outros). Para garantir soberania e desenvolvimento, a lógica que permitirá redução de crimes e violência na região deve ser a de construção de capacidades institucionais e não de ocupação militarizada e temporária do território.

Além dos fatores já destacados como importantes para a compreensão da redução da violência letal no Brasil, destacamos ainda:

Demografia

 

O Brasil se beneficia ainda, quando analisamos a tendência de crimes contra a vida, da mudança na estrutura demográfica no país. Isto porque estamos em um processo de transição, com redução da população jovem. Toda a literatura sobre criminalidade violenta demonstra a prevalência de adolescentes e jovens, do sexo masculino entre as principais vítimas da violência letal. Estudo produzido pelos economistas Daniel Cerqueira e Rodrigo Moura estimou que o aumento de 1% na proporção de homens jovens impacta no crescimento de 2% na taxa de homicídios. Isto significa que o envelhecimento da população implicará também na redução dos homicídios no país. Durante os anos 1990, quando a região com as maiores taxas de criminalidade era a Sudeste, os demógrafos já diziam que a violência tenderia a cair significativamente nos anos 2020, dado o fim do bônus demográfico e a redução do número absoluto de jovens na pirâmide populacional do país.

Controle de armas e riscos para o futuro

Diferentes estudos científicos demonstram o papel do controle de armas na desaceleração da violência no Brasil. No Atlas da Violência de 2020 demonstramos que, no período anterior ao Estatuto do Desarmamento (2003), o ritmo de crescimento dos homicídios no Brasil era 6,5 vezes superior ao observado a partir de 2004. Estima-se que, entre 2004 e 2014, a política de controle de armas tenha sido capaz de poupar 135 mil vidas, um legado importante para a compreensão do cenário aqui analisado, e que está em risco em função das medidas recentes de flexibilização do controle de armas por parte do governo federal. Com a facilitação para aquisição de armas e munições, facilita-se o desvio de armas legais para as mãos de criminosos, prejudica-se a capacidade investigativa das forças policiais e aumenta-se o risco de conflitos, muitas vezes banais, tornarem-se tragédias, como brigas de trânsito.