Ao votar amplamente pela condenação da Rússia por sua invasão na Ucrânia, a Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) simbolizou o tamanho do isolamento de Vladimir Putin no mundo, do qual a pilha de sanções aplicadas pela Europa, Estados Unidos e Japão nos últimos sete dias já eram forte indicativo.
Nesta quarta-feira (02/03), em sua primeira sessão emergencial desde 1997, a Assembleia-Geral foi encerrada com 141 votos contra, 35 abstenções e apenas 5 votos a favor das ações recentes de Putin.
A resolução, apresentada por mais de 90 dos 193 estados-membros da ONU, “deplora” a agressão da Rússia contra a Ucrânia “nos termos mais fortes” e exige a suspensão imediata do uso da força por Moscou e a retirada imediata, completa e incondicional de todas as forças militares russas das fronteiras internacionalmente reconhecidas da Ucrânia.
Um texto semelhante já foi votado no Conselho de Segurança da ONU e acabou vetado pela própria Rússia.
A medida também pede à Rússia que reverta a decisão de reconhecer duas partes separatistas do leste da Ucrânia – Luhansk e Donetsk – como independentes, ação tomada por Putin há quase dez dias, antes do início da invasão na Ucrânia. O conflito já produziu milhares de mortos e algo em torno de 700 mil refugiados.
“A resolução não tem poder punitivo real, mas certamente tem poder moral. E deixa claro que a Rússia não tem aliados de verdade, nenhuma democracia votou a favor da Rússia”, afirma Carlos Gustavo Poggio, professor de relações internacionais da FAAP.
Além da própria Rússia, votaram em prol de Moscou apenas Belarus, governado há mais de 20 anos por Alexander Lukashenko, que se apoia no Kremlin para seguir no poder, a Síria, governada por Bashar Al-Assad, apoiado pela Rússia para suprimir uma rebelião que quase o apeou do poder, a comunista Coréia do Norte e a Eritreia, com quem a Rússia tem aumentado cooperações econômicas e militares.
“Um resultado acachapante contra a Rússia não surpreende se a gente pensar que não existe qualquer fundamento no direito internacional para a ação russa. Mas mostra que a Rússia está mais isolada diplomaticamente do que se imaginava. Mesmo Israel, um país que também viola flagrantemente a lei internacional, não perde uma queda de braço dessas com menos de oito votos. Além de si mesma, a Rússia só teve quatro”, afirmou Guilherme Casarões, professor de relações internacionais da FGV.
O governo israelense já negou repetidas vezes ter violado as leis internacionais. No final do ano passado, o representante do país na ONU afirmou que votações do tipo buscam “demonizar” Israel.
Embora o presidente Jair Bolsonaro tenha visitado Moscou uma semana antes da invasão, ocasião em que expressou “solidariedade ao povo russo”, e de sua hesitação pública em condenar as ações de Putin, citando interesses econômicos estratégicos brasileiros, o Brasil votou contra a Rússia nesta quarta.
É a terceira vez que o país se posiciona contra os interesses de Putin nas Nações Unidas nas últimas semanas.
Antes da invasão, o país acompanhou os Estados Unidos ao apoiar que o assunto fosse tratado no Conselho de Segurança e após a invasão, foi favorável à censura ao país no mesmo colegiado.
Com o voto na Assembleia Geral, o Brasil foi o único país do bloco BRICS, formado também por Rússia, China, Índia e África do Sul, a condenar a Rússia.
Da mesma maneira, a Sérvia, que possui histórica relação com Moscou, e os Emirados Árabes Unidos, que se abstiveram ao votar o mesmo texto no Conselho de Segurança, votaram a favor da reprimenda à Rússia agora.
“Putin vai ficando absolutamente acuado, com o isolamento diplomático e o enorme custo de reputação de suas ações.”, diz Casarões.
Entre as 35 abstenções, duas são especialmente importantes: Índia e China.
“China e Índia são países que historicamente defenderam posições soberanistas, inclusive contra temas de direitos humanos”, afirma Casarões, notando a contradição no posicionamento internacional dos dois gigantes diante da invasão russa ao território ucraniano. A Índia possui estreitas e históricas relações militares com a Rússia, o que explica a cautela do país.
Já a China aproximou-se recentemente da Rússia. Segundo analistas, o desenrolar da crise russa com a Ucrânia era importante para Pequim, que enfrenta condição análoga em relação a Taiwan. Nos últimos dias, no entanto, a China tem tentado mostrar algum distanciamento em relação a Moscou e chegou a sinalizar que poderia servir como mediador para que russos e ucranianos acertem um cessar-fogo. A abstenção poderia servir para manter neutralidade.
“O problema é que a China, que quer se provar uma liderança global, tem desvalorizado seu próprio papel ao apenas repetir platitudes sobre a ‘complexidade da situação’, sem tomar posição nem ajudar a construir saídas”, nota Poggio.
A votação na Assembleia Geral da ONU acontece um dia depois que diplomatas de mais de 40 países abandonarem o plenário do colegiado, em protesto, quando o ministro de relações exteriores russo, Sergey Lavrov, iniciou uma fala via sistema remoto para justificar o conflito.
“Ironicamente, Putin serviu como garantidor do direito internacional na ONU quando os Estados Unidos invadiram o Iraque. Ele, com Alemanha e França, fez uma articulação para isolar os Estados Unidos e denunciar as mentiras que George W. Bush usava para justificar a invasão naquele momento. E agora é o Putin quem está pisando nesse sistema”, nota Casarões.
Simbolicamente, Putin anunciou o início da invasão à Ucrânia no mesmo momento em que o Conselho de Segurança estava reunido para discutir a situação tensa na área e tentar encontrar uma saída diplomática.