Depois de sete dias de guerra na Ucrânia, a esperança de uma saída negociada foi alimentada por gestos e declarações de representantes dos dois países envolvidos. Hoje, delegações da Rússia e da Ucrânia voltam a se reunir em Belarus para retomar as negociações de um cessar-fogo.
O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse a jornalistas que seu país está pronto para continuar o diálogo, após uma primeira rodada sem resultados aparentes. “Vamos esperar pelos negociadores ucranianos”, disse ele. A reunião ocorre na cidade de Belovezhskaya Puscha, perto da fronteira com a Polônia.
Em uma entrevista à rede de TV Al Jazeera, o chanceler russo, Sergei Lavrov, em uma mudança de tom pouco sutil, reconheceu Volodymyr Zelensky como presidente da Ucrânia. Para ele, o fato de Zelensky pedir “garantias de segurança” para negociar é positivo. Disse que a Rússia, condenada ontem pela Assembleia Geral da ONU, “tem muitos amigos” e não ficará isolada. Mas deixou no ar a hipótese mais temida: “A terceira guerra mundial seria uma guerra nuclear devastadora”, disse o diplomata, de 71 anos.
Outra mudança está sendo percebida por observadores internacionais na postura da China. Na segunda-feira, o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, telefonou para seu homólogo ucraniano, Dmytro Kuleba, para dizer que lamenta o conflito e que apoia uma solução negociada. Na ONU, se absteve de votar contra a Rússia.
Enquanto a diplomacia não encontra essa porta de saída, no teatro de guerra tropas russas reivindicaram, ontem, a tomada da cidade portuária de Kherson, no Sul da Ucrânia, e ampliação dos ataques a Kiev (capital) e Kharkiv (a segunda maior cidade do país).
“Eles (os russos) têm a ordem de apagar a nossa história, apagar o nosso país, apagar todos nós”, denunciou o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, em um vídeo. “O nazismo nasce do silêncio. Então, comecem a gritar sobre os assassinatos de civis. Gritem sobre os assassinatos de ucranianos”, conclamou ele, que é judeu.
Um dos argumentos usados pelo presidente da Rússia, Vladimir Putin, para justificar a invasão é a necessidade de “desnazificar” a Ucrânia. Ele exige garantias de que a Otan não se expandirá para o Leste e que a entrada da Ucrânia na aliança militar será vetada.
Ontem, o Kremlin divulgou pela primeira vez um balanço de vítimas em combate, mas os números não têm como ser checados de forma independente. Segundo o porta-voz do Exército, Igor Konashenkov, 498 russos morreram e há 1,5 mil feridos. Entre os ucranianos, as baixas somam 1,8 mil mortos e 3,7 mil feridos. Os ucranianos divulgam números bem mais elevados: 7 mil russos teriam morrido desde o início da invasão. O exército da Ucrânia anunciou que entregará soldados russos capturados no front de batalha.
Na capital, Kiev, imagens de satélite mostram que as forças russas continuam concentrando artilharia e blindados nos arredores da cidade, aumentando o temor de um ataque definitivo à capital, que segue alvejada por mísseis e bombas.
“O inimigo está movendo suas forças para mais perto”, disse o prefeito, Vitali Klitschcko. “Kiev resiste e vai resistir. Vamos lutar”, promete o governante local, que é ex-campeão mundial de boxe.
Os moradores sabem que a invasão é iminente e buscam abrigo, principalmente, em estações do metrô, todas ainda abertas. O chefe da empresa que opera o sistema de metrô de Kiev, Viktor Braginsky, não imaginava que veria as estações sendo usadas como refúgio de guerra. “Ainda não acredito, tudo parece surreal.”
Cada estação pode acomodar até mil pessoas e resistir a ataques de foguetes, morteiros ou mísseis Grad, que as forças armadas russas lançam contra a cidade.
A aposentada Antonina Puziy, de 75 anos, prepara a refeição dos netos, todos os dias, dentro da estação em que está morando desde o início da guerra. Tem batatas e cenouras, o suficiente para cozinhar a sopa dos netos. “Moramos no 12º andar. Lá de cima é assustador.”
Na umidade do subsolo, o casal Sergyi e Natalyia Badylevych celebram o reencontro. Eles estavam separados desde terça-feira, no caos que se instalou na cidade após a torre de TV ser atingida por um míssil, a poucos metros da casa deles. “Liguei para minha esposa para dizer a ela que voltasse para casa, mas alguém na rua gritou para ela ir para o abrigo”, conta Sergyi. “Eu não sabia se ela estava viva”, disse depois de abraçar a família. O filho, Pedro, tem medo de sair do abrigo.
Mas o medo impera. Apesar da esperança de um cessar-fogo, não há respostas para quem pergunta o que pode acontecer se Kiev cair nas mãos dos russos. Uma das muitas indagações que o engenheiro Volodimir Dovgan, 40 anos, se faz a todo o momento. “E se chegar a hora em que não teremos mais comida? Como vamos fazer? Vamos tentar fugir?”
Em Kharkiv, perto da fronteira com a Rússia e alvo dos mais pesados bombardeios lançados até agora, o metrô também virou abrigo. O Correio conversou com um morador, que pediu para não ser identificado.
“Escuto o barulho de bombas de vez em quando. Duas horas atrás, saí da estação para checar a situação do lado de fora. Vi fumaça vindo do quarteirão onde está localizado o hospital da cidade”, relatou. “Mas temos o necessário, incluindo água, comida e internet”, relatou.
Ontem, quatro aviões de caça russos, do tipo Sukhoi, violaram por curto espaço de tempo o espaço aéreo da Suécia, a leste da ilha de Gotland, no Mar Báltico. O incidente acontece em um momento em que o debate sobre a entrada da Suécia na Otan volta a pauta por causa da guerra.
O número de refugiados já se aproxima de 900 mil, segundo o Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur), e deve continuar aumentando rapidamente. “Deixamos tudo para trás quando eles chegaram e arruinaram nossas vidas”, disse Svitlana Mostepanenko, que pediu asilo na República Tcheca. Ela disse que os bombardeiros estão atingindo muitas áreas residenciais.