Patrícia Linares, de 45 anos, foi vítima de preconceito por conta da idade — Foto: Arquivo PessoalA estudante que foi alvo de deboche de três colegas de turma de uma universidade particular de Bauru (SP) pelo fato ter mais de 40 anos de idade afirmou que não vai desistir de cursar biomedicina.
Ao g1, Patrícia Linares, que completa 45 anos nesta terça-feira (14), contou que adiou o sonho de estudar por muito tempo, mas agora, finalmente conseguiu realizá-lo.
“É um sonho de adolescência que nunca pude realizar porque tive várias interrupções de estudo. E agora também não vou desistir, o sonho não morreu dentro de mim”, afirma.
Patrícia iniciou os estudos na instituição Unisagrado em 27 de fevereiro e está no primeiro ano. Na última sexta-feira (10), uma publicação no Twitter, com mais de sete milhões de visualizações, mostrou três universitárias debochando dela pelo fato de ela ter “40 anos”.
O vídeo viralizou e gerou indignação pelo etarismo contido nas falas das jovens estudantes. Em determinado momento, uma das meninas chega a dizer que Patrícia deveria “estar aposentada”. (Veja o vídeo abaixo.)
Em vídeo, universitárias de Bauru debocham de colega de sala de 40 anos
Patrícia revelou que viu o vídeo pouco antes da apresentação de um trabalho e ficou muito abalada.
“Uma colega veio me dizer que fizeram um vídeo caçoando da minha idade, e aí ela me mostrou o vídeo. Como eu estava com muito medo do trabalho, até porque é algo novo para mim, eu comecei a chorar”, relembra.
Universitárias debocham de colega de 40 anos — Foto: Reprodução
A tristeza inicial, no entanto, logo foi substituída pela rede de apoio encontrada após a repercussão do caso. Na sexta-feira, colegas de curso encontraram Patrícia e se mostraram revoltados com a demonstração de preconceito contra ela. O grupo prestou solidariedade e entregou cartas, flores e chocolates.
“Eu estou estarrecida com essa corrente de amor que eu tenho recebido. A gente vê muitos relatos na internet de pessoas que sofrem preconceito, mas eu não sabia que tinha tanta gente bacana, que também já passou por esse tipo de coisa. Eu chorei, mas eu tenho pessoas que cuidam muito de mim”, conta.
Patrícia contou que a ideia de retomar os estudos veio em meio um momento complicado durante a pandemia de coronavírus. “Tive uma loja por quase 11 anos. Fui muito feliz. Mas a pandemia me fez fechar. Fui pra casa e fiquei pensando o que eu poderia fazer pra mudar minha história”, relembra.
Quase três décadas após ter terminado o Ensino Médio, ela decidiu buscar uma vaga na faculdade e teve apoio dos familiares.
“O meu esposo me disse: ‘se você tem o desejo de estudar, a gente vai fazer o possível pra você estudar, pra ter uma nova profissão’. Fechar a loja me abalou demais. Então eu tinha que vivenciar outras coisas. Todo mundo se reuniu pra me ajudar e comecei esse ano a graduação.”
A escolha por biomedicina foi influenciada pela antiga profissão da mãe: enfermeira. “Tinha que ser na área da saúde. Minha mãe foi enfermeira durante muitos anos e vivi muito dentro de hospitais. Mas a vida leva a gente por outros caminhos. E devido a isso eu não consegui fazer uma graduação”, relata.
Estudante hostilizada por ter mais de 40 anos cursa biomedicina em Bauru (SP) — Foto: Arquivo pessoal
Dentre os inúmeros caminhos que a educação pode proporcionar, o único pelo qual Patrícia diz não querer percorrer é o da desistência. Por isso, mesmo em meio à polêmica, retornou às aulas na segunda-feira (13).
“Não tem essa opção desistir. Nem quando eu era vendedora, nunca desisti das minhas clientes, eu nunca desisti da minha vida. E muito menos pelo meu sonho”, diz.
“A minha mãe me falava uma frase que era assim: os sonhos são pedacinhos de amor que Deus coloca em nós para um dia a gente concretizá-lo’, e eu sei que eu vou concretizá-lo”, complementa.
‘Brincadeira de mau gosto’
No vídeo que viralizou na internet na sexta-feira (10), uma das universitárias ironiza: “Gente, quiz do dia: como ‘desmatricula’ um colega de sala?”. Logo depois, outra responde: “Mano, ela tem 40 anos já. Era para estar aposentada”. “Realmente”, concorda a terceira.
Em seguida, a estudante que grava o vídeo diz: “Gente, 40 anos não pode mais fazer faculdade. Eu tenho essa opinião”. Elas chegam a dizer que a mulher “não sabe o que é Google”.
Ao g1, a estudante Bárbara Calixto disse que as três estão arrependidas do que falaram e que o vídeo foi uma “brincadeira de mau gosto”.
Ela contou que as imagens foram postadas inicialmente no “close friends” do Instagram (recurso que permite que o usuário selecione seguidores específicos), mas acabou saindo da roda de amigos e viralizou.
“Nunca foi na intenção de dizer que pessoas de mais idade não podem adquirir uma graduação, pois não tenho esse pensamento. Foi uma fala imprudente e infeliz que tomou uma proporção que não imaginávamos”, disse uma das estudantes.
Além de Bárbara, as outras jovens que aparecem no vídeo são as estudantes Beatriz Pontes e Giovana Cassalatti. As ofensas relacionadas ao etarismo geraram indignação nas redes sociais. Segundo especialistas, as três alunas podem responder na Justiça pelo episódio.
O que diz a universidade
A Unisagrado publicou uma nota na rede social horas depois que o vídeo viralizou, mas sem fazer menção direta ao caso.
No comunicado, afirma que não compactua com qualquer tipo de discriminação e que acredita que “todos devem ter acesso à educação de qualidade, desde pequenos até quando cada um quiser, porque educação é isso: autonomia”.
A publicação também diz que “as oportunidades não são iguais para todo mundo em todos os momentos da vida. Sabemos, por exemplo, que os pais, muitas vezes, abrem mão da sua formação para oferecer as melhores oportunidades para seus filhos e, somente depois, optam por se profissionalizarem”.
Nos comentários da publicação, várias pessoas cobraram medidas por parte da instituição. “Não vai ter uma retratação das queridas? Uma ação disciplinar? Por acho que só um posicionamento não haverá mudanças!!!”, disse uma mulher.
“Queremos uma ação disciplinar para que fiquem TODOS cientes que esse tipo de atitude é totalmente descabível e não venha se repetir nunca mais”, comentou outra.
Ao g1, a assessoria da universidade disse que está tomando medidas em relação às universitárias envolvidas no caso. “Mas por respeito a todos os envolvidos estamos trabalhando no âmbito institucional e não divulgaremos”, disse.
“O Unisagrado reitera que não compactua com práticas discriminatórias e ofensivas de qualquer natureza e reforça a necessidade de combatê-las, repudiando veementemente todo tipo de manifestação que demonstre apoio a quaisquer atos de violência, física ou psíquica”, diz o comunicado.
De acordo com uma das jovens que aparece no vídeo, a faculdade orientou as estudantes e “deu a oportunidade de recomeçar e amadurecer, mudar nossos pensamentos e perceber que comentários assim, sendo brincadeira ou não, são levados muito a sério”.
Etarismo
Etarismo é o nome dado à discriminação e ao preconceito relacionado com a idade de uma pessoa. Essa repulsa pode resultar, inclusive, em violência verbal, física ou psicológica.
No dia a dia, o etarismo pode se manifestar de diferentes maneiras: como piadas, infantilização ou atitudes que geram exclusão da vítima. No meio profissional, esse preconceito também se mostra em postagens de candidaturas de vagas de emprego com limite de idade ou em frases como “você está velho para isso”.
As denúncias de violações de direitos humanos podem ser feitas de maneira anônima pelo Disque Direitos Humanos, o Disque 100.
Por Luís Ricardo da Silva e Heytor Campezzi, g1 Bauru e Marília