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PMs dão mata-leão em homem negro que estava em praça com as filhas no AC: ‘não importo com você’

Esposa e as filhas do estudante presenciaram as agressões e, segundo ele, foram ameaçadas com spray de pimenta — Foto: Reprodução

Um morador negro do bairro Vitória, em Rio Branco, acusa policiais militares de racismo e agressão após ser preso na tarde desta quinta-feira (15) na Rua Luiz Gonzaga. O homem estava com a mulher e as filhas, sendo uma de 1 ano e 11 meses e outra de 8 anos, quando foi abordado por três policiais militares.

O homem, que trabalha como auxiliar administrativo em uma empresa prestadora de serviço do governo e é estudante do Instituto Federal do Acre (Ifac), pediu para não ter a identidade divulgada.

Outro morador que estava na praça filmou a ação policial. As imagens começam logo mostrando um PM nas costas do estudante com os braços no pescoço dele, como se estivesse dando um mata-leão. O homem estava sentado e sai engatinhando tentando se livrar do PM. Em alguns momentos, o militar chega a subir nas costas do estudante em uma falha tentativa de imobilização.

“Olha o que os caras estão fazendo. Trabalhador aqui, olha a família do cara aí”, diz a pessoa que gravou o vídeo. Em outra parte da gravação, o estudante aparece de joelho sendo revistado enquanto um policial grita: “Bora ver de quem é esse celular, de quem é esse celular? Tira a mão da boca”. Outros dois militares assistem ao lado deles.

A mulher do estudante com a filha mais nova no colo acompanha de perto também. O vídeo termina mostrando o auxiliar administrativo sendo colocado dentro da viatura com, pelo menos, sete policiais ao redor.

A reportagem entrou em contato com a assessoria de comunicação da PM-AC e aguarda retorno.

‘Me abordaram de forma truculenta’

O estudante preso conversou com o g1 nesta sexta-feira (16). Ele diz que foi vítima de racismo. “Foi racismo, a primeira coisa que o policial me falou foi: ‘você é preto’. Foi racismo, não é a primeira vez que isso acontece. Já fui abordado em frente da minha casa pela polícia porque falaram que eu estava roubando a casa”, relembrou.

Ele confirmou que estava com as crianças e a mulher na praça quando a filha caçula se assustou com um cachorro e começou a chorar muito em uma área mais afastada do local. Ele tentou consolá-la, mas não conseguiu e entregou a menina para a mãe.

Quando começou a ser afastar das duas, ele diz que sentiu um empurrão nas costas e caiu. Nesse momento, segundo ele, começou a ser sufocado e tentou se livrar do aperto.

“Tentei olhar para trás e já peguei um mata-leão, foi quando percebi que eram policiais. Ele falou: ‘você é preto, é suspeito’. Foi me empurrando, me enforcando e os companheiros vieram jogando spray de pimenta no meu rosto. Tentei me esquivar porque desmaiaria, estavam gritando. O policial falava: ‘não me importo com você, é um preto, quero que vá para o inferno’. Falou isso para minha esposa também quando ela chegou perto para tirar o celular do meu bolso para gravar”, contou.

Ainda segundo o auxiliar administrativo, os policiais não se identificaram e nem perguntaram nada. Ele afirma também que os militares ameaçaram jogar spray de pimenta nas filhas dele e em outras crianças que estavam na praça. A mulher dele também teria sido xingada.

Estudante mostra marcas das agressões durante abordagem policial no Acre — Foto: Arquivo pessoal

“Ela falou que era universitária, e que eu também. Disseram que ela era burra, foram preconceituosos com ela também, assim como foram comigo. A todo momento só me chamavam de preto, ‘você é um preto’. Tinha muita gente na praça, foi uma humilhação. Chamei ele de covarde, que tinha chegado ali sem se apresentar, já foi me agredindo, não me abordou, rasgou minha camisa e me enforcou. Meu pescoço está machucado. Falei que não precisava fazer isso”, lamentou.

O rapaz diz que os PMs não acharam nada ilegal com ele. O que encontraram nos bolsos das roupas dele foram dois aparelhos de celulares, um dele e outro da filha de 8 anos, a carteira com R$ 37 e três cartões de crédito. Ele foi levado para a Delegacia de Flagrantes (Defla) e liberado ainda na quinta após um advogado da família aparecer na delegacia.

“Minha esposa chamou nosso advogado, mandou os vídeos para ele, foi na delegacia e mostrou para o delegado. Foi uma covardia racista. Os demais policiais estavam muito calmos, mas esse estava muito alterado, nervoso, só falava me cuspindo, cuspindo minha esposa. Falei que sabia meus direitos. Me abordaram de forma truculenta, não precisa fazer aquilo”, criticou.

Difamação
O morador pretende fazer uma denúncia contra os militares na Corregedoria da Polícia Miitar. Na próxima segunda-feira (20), ele conta que vai fazer um boletim de ocorrência e exames de corpo de delito.

Ele também pretende denunciar internautas que viram o vídeo da abordagem e que afirmaram que ele foi preso por estar usando drogas perto das filhas e ter resistido à prisão. Ele nega.

“Isso está errado, é difamação. Já tirei prints dos comentários e vou fazer um boletim de ocorrência, vou acionar judicialmente esses perfis e vou abrir uma representação na corregedoria da PM. Estou com um advogado e vou entregar toda documentação para ele entrar com os trâmites legais. Estão me difamando, quero que provem, tanto a polícia quanto quem tá falando esse tipo de coisa. Isso é uma difamação”, argumentou.

Por Aline Nascimento, g1 AC