O Ministério Público Federal do Acre (MPF-AC) apresentou um parecer favorável aos argumentos da Assembléia Legislativa do Acre (Aleac) em ação civil pública do Conselho Regional de Medicina do Acre (CRM-AC) que questiona um artigo da Lei nº 2.976, alterada no início deste ano, e que dispõe sobre os direitos das pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
De acordo com o procurador da República Lucas Costa Almeida Dias, o artigo não condiciona a validade do laudo médico à aprovação da equipe pedagógica multidisciplinar, ao contrário do que afirma o CRM. Conforme entendimento do procurador, confere à equipe apenas a atribuição de verificar o cumprimento dos requisitos legais no laudo apresentado.
“É importante frisar: a Lei Estadual n. 2.976/15, com redação alterada pela Lei Estadual n. 4.079/23, em nenhum momento, autoriza que a equipe multidisciplinar faça uma análise do mérito do laudo emitido pelo profissional médico. Sua função, em caso de requerimento instruído por laudo médico, é puramente realizar um checklist dos requisitos constantes no art. 6º, §4º, da Lei Estadual n. 2.976/15”, afirma o documento.
Ação do CRM
Em maio deste ano, o CRM ajuizou uma ação civil pública na qual questiona o trecho que prevê que a concessão de professor mediador a estudantes com TEA na rede pública estadual será feita por meio de comprovação através de laudo, e que o documento passará pela avaliação de uma equipe pedagógica multidisciplinar, que então fará o requerimento de profissional para acompanhar o aluno. De acordo com o conselho, essa determinação cria obstáculos no acesso à educação, e relativiza a importância do laudo médico.
O CRM pede que o artigo não seja cumprido, e ressalta que a lei “trouxe em seu texto elementos jurídicos conflitantes com leis federais que prejudicam o acesso precoce ao profissional mediador ou acompanhante especializado no âmbito escolar”.
A Secretaria de Educação, Cultura e Esportes do Acre (SEE-AC), por outro lado, afirmou que não há intenção em criar obstáculos ao acesso ao professor mediador ou outro profissional especializado, mas sim garantir atendimento mediante comprovada necessidade.
Após o parecer do MPF, o assessor jurídico do CRM, advogado Mário Rosas, ressaltou que a ação teve origem no receio com a criação de mais uma fase na avaliação, e que não seria apenas um checklist, como afirma o procurador, mas se trata de maior burocracia.
“Quando ingressamos com essa ação, partindo inclusive de uma reunião no Ministério Público do Acre, com as três médicas mais atuantes no Estado na especialidade de neuropediatria, onde naquela ocasião relataram todas dificuldades que sofrem as famílias, também surgiu a preocupação principal da criação de mais uma fase para avaliação do laudo médico por uma equipe multidisciplinar, onde se entendeu que não seria apenas um checklist, pois isso é teoria, na prática o que acontece é mais morosidade e burocracia”, destaca.
Rosas argumenta ainda que o checklist citado pelo MPF não é um processo simples, e que a questão precisa ser tratada com cautela. Segundo o advogado, a instituição aguarda a procedência da ação pela Justiça Federal.
“Portanto, lamentamos a visão simplista de um problema que requer tanta cautela, pois quem de fato está em dificuldade é a família mais carente que luta diariamente para garantir às crianças com TEA o mínimo de atenção no auxílio do desenvolvimento escolar, que é o trabalho do mediador. Aguardamos a procedência da ação pela Justiça Federal”, acrescenta.
Aleac rebate
A mesa diretora da Assembleia Legislativa do Acre (Aleac) lançou uma nota rebatendo o conselho, na qual afirma que houve uma distorção do que realmente disse a lei.
“Com as alterações promovidas na Lei Estadual do TEA, a ALEAC abriu a possibilidade de, na ausência do laudo médico (e apenas diante dessa ausência), a necessidade do mediador poder ser atestada pela equipe multidisciplinar da educação especial, por meio de um relatório circunstanciado. Tal relatório não tem o poder de se opor ou de substituir um laudo médico que ateste a condição de TEA, mas sim poder suprir a ausência deste no que diz respeito a necessidade de contratação do mediador para alunos com TEA, jamais interferindo no diagnóstico quanto à ocorrência do transtorno em si ou quanto as respectivas intervenções terapêuticas e medicamentosas, essas de prescrição exclusiva por profissional da área médica. Ou seja, ao contrário da que alega o CRM/AC, os deputados estaduais da ALEAC facilitaram a vida dos autistas e de suas famílias no que tange à contratação de mediadores e não dificultaram”, diz a nota.
Família Azul
A presidente da Associação Família Azul, Heloneida Gama, que reúne ativistas pelos direitos das pessoas com TEA, concorda com a ação, e ressalta que é comum pais de estudantes terem os pedidos de mediadores negados. Ela também destaca que é preciso que os envolvidos no processo tenham a capacidade de avaliar os casos.
“Acreditamos e reafirmamos que a responsabilidade da necessidade ou não do professor mediador seja do médico especializado, observando que as famílias já vão para as consultas com relatório da escola, relatório da psicóloga, onde relata todas as dificuldades dos autistas, dispensando uma nova avaliação, no qual estamos entendendo como uma junta médica. Se as famílias já sentem dificuldades da busca pelo direito mesmo indo no Ministério Público do Acre, imagina tendo essa brecha”, destaca trecho de nota da presidente.
Por Victor Lebre, g1 AC