“É um rapaz que não tinha costume de faltar, era pontual, é um dos que mais vendia, vendia muito bem. O pessoal e os clientes gostavam dele. Um cara que não falava mal dos outros. Ele falava pouco, gostava de tirar uma brincadeira com a molecada, mas, na maioria do tempo, era bem calado”, contou ao g1 Douglas Brito, comerciante do Guarujá, no litoral paulista.
Ele era patrão de Filipe do Nascimento, morto aos 22 anos pela Polícia Militar na última segunda-feira (31) durante a Operação Escudo, que foi organizada após a morte do soldado Patrick Bastos Reis e já soma 16 assassinatos até esta quarta-feira (2).
“Ela relatou que, no mesmo dia, mais cedo, os polícias estavam fazendo patrulhamento no beco e bateram lá na porta. Ele atendeu, pediram documentos, ficaram conversando com ele. Ela falou que um dos PMs entrou dentro da casa dela — que estavam só as duas crianças, porque ele tinha saído para responder as perguntas de outros PMs”, afirmou Douglas.
Douglas definiu Filipe como “um cara super de boa, tranquilo, caladão, que só fazia o dele”:
“Ele trabalhava comigo por volta de 2 para 3 anos. Tenho registro de pagamento dele desde 2022. Antes disso, ele recebia em dinheiro, ele não tinha conta. Ajudamos ele a tirar os documentos, abrir a conta. Do ano passado para cá que ele começou a receber Pix”.
“Ele trabalhou esse fim de semana comigo, paguei ele no domingo (30). No dia seguinte, mataram ele”, disse Douglas. (print do comprovante de pagamento abaixo)
“Ele tinha uma passagem pela polícia, mas ele trabalhava comigo. Está tendo uma base sólida de que ele não era envolvido, entendeu? É por essas questões de classe, preconceito com pessoas com passagem e por ser negro, né? Acaba juntando tudo”, destacou Douglas.
“Nessa Operação Escudo, muita verdade e muita mentira são misturadas, entendeu. Você é não sabe o que é verdade. O caso do Filipe, se eu não tivesse essas comprovações de pagamento, dele trabalhando… O pessoal que trabalha bem, eu mantenho na baixa temporada aqui, que nem ele“.
“Estamos aqui dando auxílio para a família dele, a mulher dele está perdida também. É complicado”, afirmou o comerciante.
“Ela está abalada aqui, está com medo. Pretendente ir embora para a terra natal dela, que que vai fazer um esforço para ir. Ela falou ‘Pô, meu barraco no meio da mata, tudo escuro, parede de madeira’. Ela falou que não tem coragem de ficar aqui, não, ainda mais pela repercussão do caso específico do Filipe, que, por ele trabalhar comigo, tenho todos os comprovantes”.
Filipe do Nascimento era usuário recorrente do TikTok e do Kwai, aplicativos de vídeo. Grande parte dos vídeos publicados por ele é pedindo seguidores: “Peço ajuda de todos vocês pra tá me seguindo lá no TikTok”.
Em outra publicação, o jovem aparece com um filtro que modifico o olho acompanhado de um áudio: “Tá todo mundo ficando famoso. Vamos ver se consigo”.
Vídeos de danças também eram muito recorrentes no perfil de Filipe. Além disso, ele compartilhava artesanatos feitos por ele: “Minha arte”.
Vídeos de Filipe no TikTok — Foto: Reprodução
Artesanato feito por Filipe — Foto: Reprodução
O boletim de ocorrência que registra os fatos relacionados à morte de Filipe qualifica o caso como legítima defesa e morte decorrente de intervenção policial.
Segundo relatos de policiais militares que prestaram depoimento após a morte de Filipe, os agentes teriam entrado em uma viela no bairro Morrinhos 4 e foram recebidos por “um indivíduo [que] surgiu na porta com uma arma na mão”.
Neste momento, um sargento que acompanhava a operação relatou que efetuou dois disparos de fuzil a cerca de 2,5 metros de Filipe. Ele disse que um cabo que estava ao lado dele também efetuou disparos.
De acordo com o documento, que é baseado em depoimentos dos policiais militares, no barraco em que Filipe estava no momento da ocorrência, havia uma bolsa com entorpecentes.
Segundo o BO, foram apreendidos um revólver calibre 38, uma pistola calibre 38 e nove tijolos de maconha, além do armamento dos agentes que participaram da ação, como pistolas e fuzis.
A Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo afirma que “não param de chegar denúncias de mortes” durante a operação da Polícia Militar que começou na última sexta-feira (28) com 600 agentes.
“Nós percebemos que os boletins de ocorrência estão muito mal redigidos, gerando realmente espaço para dúvidas em relação aos números de vítimas. Mas vamos nos debruçar sobre os registros. Não param de chegar denúncias de mortes, mas estamos tomando todo cuidado possível para divulgar qualquer informação”, afirmou o ouvidor Claudio Aparecido da Silva à TV Globo.
A ação, que foi chamada de “Escudo”, se deu depois que o soldado Patrick Bastos Reis, de 30 anos e que atuava nas Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) na capital paulista, ser morto com um tiro no tórax enquanto fazia patrulhamento em uma comunidade do litoral.
O suspeito Erickson David da Silva, apontado como responsável pelo disparo que matou Patrick, foi preso em São Paulo no domingo (30). Ele alega ser inocente.
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Mais informações: G1 – São Paulo.