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No Acre, uso de espaços culturais públicos para cultos religiosos gera polêmica sobre a Laicidade do Estado

Um recente episódio envolvendo o uso da Filmoteca Acreana, um espaço público de cultura gerido pela Fundação Elias Mansour (FEM), para um evento religioso, gerou polêmica e preocupação entre membros do setor cultural do Acre. No dia 8 de setembro, a Igreja Renovada realizou uma “24 horas de adoração e clamor” dentro da Filmoteca, o que levantou questionamentos sobre a finalidade dos espaços públicos e os princípios de laicidade do Estado.

A Portaria Nº 169, de 20 de março de 2023, da FEM, estabelece diretrizes para o uso e a gestão dos espaços públicos de cultura. De acordo com o Artigo 5º da portaria, eventos de outras naturezas podem ser realizados nos espaços culturais apenas se não estiverem previstos eventos culturais programados anteriormente, mediante aprovação prévia da FEM. Além disso, tais eventos não podem afetar ou descaracterizar os aspectos culturais, históricos e curatoriais de cada espaço.

No entanto, o uso da Filmoteca Acreana para um culto religioso é visto por muitos como descaracterização da finalidade do espaço, que é destinado à promoção da cultura e das artes. Além disso, o evento religioso ocorreu durante 24 horas, envolvendo custos com energia elétrica, segurança, apoio técnico e possivelmente gerando despesas trabalhistas para os servidores envolvidos, que trabalharam em horário extra-turno.

A utilização de espaços públicos para eventos religiosos tem se tornado uma prática recorrente em instituições públicas, muitas vezes ocorrendo durante o expediente de trabalho e em locais como escolas e repartições públicas. Isso tem gerado constrangimento para alguns funcionários, que se sentem pressionados a participar desses eventos por medo de represálias.

Os membros do setor cultural do Acre argumentam que essa prática vai contra os princípios da legalidade, imparcialidade, honestidade e lealdade às instituições públicas, além de desviar a finalidade dos espaços públicos.

A Constituição Federal do Brasil garante o direito à expressão religiosa, mas também deixa claro que estruturas públicas não devem ser utilizadas para eventos religiosos. O uso sistemático desses espaços para atividades religiosas pode acarretar em responsabilidade por improbidade administrativa.

Diante desse cenário, diversos artistas, agentes culturais e trabalhadores da cultura têm enfrentado dificuldades para agendar pautas em espaços culturais públicos. Além disso, muitos desses espaços estão fechados, aguardando reformas ou sem a estrutura necessária para funcionar adequadamente.

Diante dessas preocupações, foi recomendado aos Conselhos de Cultura Estadual e Municipais que elaborem diretrizes e regulamentações para o uso de espaços e equipamentos culturais públicos. Além disso, o Ministério Público Estadual foi instado a tomar as medidas cabíveis.

Por fim, a Fundação de Cultura Elias Mansour e seu diretor-presidente, Minoru Kinpara, foram solicitados a prestar esclarecimentos sobre o culto ocorrido na Filmoteca Acreana e sobre a Portaria Nº 169, de 20 de março de 2023, elaborada sem consulta prévia e debate com o Conselho Estadual de Cultura.

O debate em torno do uso de espaços públicos para eventos religiosos coloca em destaque a importância de se preservar os princípios de laicidade do Estado e garantir que os espaços culturais públicos cumpram sua finalidade de promover a cultura e as artes, sem desvios de propósito.