Nesta quarta-feira, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal aprovou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que permite a iniciativa privada coletar e processar o plasma humano, além de comercializá-lo. Hoje, o uso do material, que corresponde a 55% do volume de sangue, pode ser utilizado para pesquisas e criação de medicamentos, os hemoderivados, apenas pela Hemobrás, empresa pública vinculada ao Ministério da Saúde. O texto vai agora para votação no plenário.
A PEC foi apresentada pelo senador Nelsinho Trad (PSD) no ano passado, motivada pelo desperdício de plasma nos laboratórios particulares do país. Estimativas da Associação Brasileira de Bancos de Sangue (ABBS) apontam nos últimos cinco anos 65% do material produzido pelos bancos de sangue privados é descartado. Apenas cerca de 20% são usados em transfusões de sangue.
A associação é favorável ao projeto. Em nota, disse que “vai dar destino ao plasma coletado que hoje precisa ser descartado, e vai permitir a produção de hemoderivados em território nacional, criando condições de salvarmos para mais vidas”. “Tudo a preço de mercado; com parte dessa produção enviada ao SUS e teremos ainda valorização de um dos insumos mais raros do mundo”, continuou.
“O sangue não pode ser comercializado de modo algum, essa foi uma conquista da nossa Constituição. Com a Hemobrás, caminhamos para a autossuficiência em hemoderivados, para que o sangue não seja uma mercadoria. O Ministério da Saúde e o governo federal se posicionam por isso contra a PEC do plasma”, escreveu a ministra da Saúde, Nísia Trindade, em publicação no X (antigo Twitter).
Para o Ministério da Saúde, a venda do insumo não resultaria em maior produção e acesso de medicamentos pela população brasileira, mas sim o contrário. “Atualmente, o plasma doado no país atende exclusivamente às necessidades da população brasileira e retorna a ela em medicamentos”, disse em nota. Para a pasta, com a possibilidade de exportação, esse cenário seria afetado.
— Hoje, a Hemobrás é muito aberta à parceria com o setor privado. Portanto, pode-se estabelecer parcerias público-privadas, mas sem que o sangue vire mercadoria e possa ser, inclusive, exportado em detrimento da saúde da nossa própria população — argumentou o secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo da Saúde, Carlos Gadelha.
Um dos problemas, porém, é que a Hemobrás não consegue atender toda a demanda de hemoderivados no Sistema Único de Saúde (SUS), o que faz com que o país precise importar medicamentos do exterior ou mande o plasma coletado aqui para ser processado lá fora. No entanto, Gadelha cita que essa dependência tem diminuído, o que descartaria a necessidade da lei.
Segundo o secretário, hoje, 30% dos fármacos do tipo ofertados pelo SUS são feitos com plasma doado no país. Ele diz ainda que a previsão é chegar a 80% dos hemoderivados feitos com o material doado e também processado no Brasil a partir de 2025, graças à conclusão do complexo industrial da Hemobrás que começou a ser construído há 13 anos, em Pernambuco.
Outras entidades, como a Fiocruz, a Associação Brasileira de Pessoas com Hemofilia e o Conselho Nacional de Saúde (CNS), seguiram o posicionamento do Ministério da Saúde e também se manifestaram publicamente de forma contrária à PEC.
Em contrapartida, a relatora da proposta, senadora Daniella Ribeiro, sustenta que a comercialização do plasma irá sim ampliar e melhorar o atendimento dos laboratórios aos pacientes brasileiros. Segundo ela, a Hemobrás precisaria ser quatro vezes maior para atender toda a demanda do país. A ABBS diz que, mesmo com os avanços na Hemobrás, “a capacidade de fracionar será de 500 mil litros, muito aquém da demanda do SUS”.
A PEC também gerou divergências quando incluiu a possibilidade de remuneração da coleta de plasma aos doadores de sangue com a finalidade, que foi retirada após duras críticas. O Ministério da Saúde disse que a mudança afetaria as doações voluntárias e incorreria em “risco de desabastecimento nas emergências hospitalares”.
A Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH), por exemplo, criticou em nota a remuneração, mas apoia a aprovação da PEC:
“A ABHH aprova a mudança para o nível infraconstitucional e, considerando que existe grande desperdício de plasma no país, apoia a autorização da participação da iniciativa privada na comercialização e fracionamento industrial do plasma humano excedente do Brasil”, diz. O texto tem também o apoio do Instituto Coalizão Saúde.
Por O GLOBO