O Ministério Público Federal (MPF) recomendou a retificação do edital do concurso nacional unificado, publicado em 10 de janeiro, para garantir a reserva de 2% das vagas do cargo de auditor fiscal do trabalho para pessoas trans.
A recomendação foi enviada à Comissão de Governança e ao Comitê Consultivo e Deliberativo, responsáveis pela organização e condução do concurso público unificado, que têm prazo de 72 horas para informar se acatam ou não o documento, tendo em vista que o período de inscrição para o certame será iniciado na próxima sexta-feira, 19.
De acordo com a recomendação, assinada pelos procuradores regionais dos Direitos do Cidadão Martha Figueiredo e Lucas Costa Almeida Dias, a previsão de cotas para pessoas trans no concurso para a carreira de auditor fiscal do trabalho foi publicamente anunciada pelo Ministério do Trabalho e Emprego em junho do ano passado. No entanto, a seleção para o cargo não prevê essa ação afirmativa de reserva de vagas. Para os procuradores, tal situação se mostra contraditória, tendo em vista que as declarações das autoridades foram feitas de forma pública, em canais de divulgação da imprensa nacional e geraram legítima expectativa da população LGBTQIAPN+ brasileira quanto à implementação das cotas no concurso.
O MPF aponta que a quebra da confiança depositada pela população nas declarações das autoridades públicas gera consequências jurídicas para o Estado, já que a vedação de comportamentos contraditórios alcança a Administração pública. Nesse sentido, o poder público também se sujeita às limitações criadas em razão da sua própria atuação, por meio da prática de condutas que devem ser cumpridas no futuro.
Dessa forma, o MPF recomenda que a irregularidade seja corrigida administrativamente por meio da retificação do edital do concurso com a previsão da reserva de 2% das vagas para o cargo de auditor fiscal do trabalho para pessoas transgênero.
No documento, os procuradores destacam que a implantação de cotas para pessoas trans tem respaldo no ordenamento jurídico, já que o Estado brasileiro é signatário da Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, que foi introduzida no país com caráter de emenda constitucional. Essa normativa obriga o Brasil a adotar ações afirmativas para assegurar o exercício dos direitos fundamentais de pessoas ou grupos submetidos a quadros de violência e discriminação histórica. No caso da população trans, essa medida se torna ainda mais importante, pois o Brasil é o país que mais mata travestis, mulheres e homens transexuais no mundo, há 14 anos consecutivos, de acordo com o relatório desenvolvido pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).
Com isso, o MPF sustenta que a Administração federal pode implementar as cotas para pessoas trans em concursos públicos por ato próprio, sem prévia necessidade de lei específica. A questão já foi decidida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186, quando reconheceu a constitucionalidade de cotas étnico-raciais criadas pela Universidade de Brasília (UnB) por meio de ato administrativo, mesmo antes da previsão em lei. Além disso, os procuradores citam exemplos de órgãos que já instituíram cotas para pessoas trans em seus concursos por meio de atos próprios, como é o caso da Defensoria Pública do Estado de São Paulo e do Ministério Público do Trabalho nos concursos para os cargos de defensor público e procurador do Trabalho, além do Ministério Público da União, que adotou a medida nas seleções de servidores e estagiários.
Fonte: Ascom Ministério Público Federal de Sergipe