Somente após ter protocolado uma denúncia no Ministério Público do Estado de Alagoas (MPAL) contra a Prefeitura de Maceió, devido ao descumprimento da Lei de Acesso à Informação (LAI), a Agência Tatu obteve os dados conforme solicitados referentes aos sepultamentos nos cemitérios públicos da capital. Estes dados mostram que 59,2% dos enterros realizados em 2023 ocorreram em covas rasas.
A busca pelos dados iniciou em março deste ano, com o intuito de seguir com uma investigação iniciada em 2023. Depois de várias tentativas para obter o que é assegurado por lei – o acesso à informação – foi necessário ingressar com uma denúncia por meio da Ouvidoria do MPAL.
Apenas depois de uma audiência presencial, solicitada pela 14ª Promotoria de Justiça da Capital e realizada em 19 de julho, foi que a Autarquia Municipal de Desenvolvimento Sustentável e Limpeza Urbana (Alurb) assinou um termo se comprometendo em enviar os dados que restavam, no formato correto.
Assim, foi possível analisar que dos 3.075 sepultamentos realizados em 2023 nos sete cemitérios ativos de Maceió, 1.820 (59,2%) ocorreram em covas rasas. Ainda de acordo com os dados, de 2021 para 2023 houve uma redução no número total de sepultamentos na capital, uma vez que entre 2021 e 2022 foram registradas muitas mortes em razão da pandemia da Covid-19.
O cemitério São José, localizado no bairro Trapiche da Barra, concentra mais da metade (55%) dos enterros da capital. No último ano, foram realizados 1.332 sepultamentos em covas rasas neste cemitério, representando 70% do total de enterros no local.
🪦 TIPOS DE SEPULTURA As covas rasas são aquelas feitas de forma precária diretamente na terra, sem nenhum tipo de vedação, com pouca profundidade e ausência de zelo.As jardineiras são parecidas com as covas rasas em termos de profundidade na terra, mas possuem alguma construção, como mureta ou cercado, delimitando o espaço da sepultura e normalmente coberto por flores ou plantas.Já as gavetas são construções em que os caixões ficam lado a lado e uma sobre a outra, utilizando pouco espaço para enterrar várias pessoas. Enquanto os mausoléus, ou criptas, são sepulturas com estrutura mais grandiosa e elaborada, geralmente utilizada para abrigar vários membros de uma família. |
O problema da superlotação nos cemitérios públicos de Maceió é evidenciado, ainda, pelos 75 corpos que estão acumulados no Instituto Médico Legal (IML) de Maceió, aguardando um lugar para sepultamento. A informação foi passada pela assessoria do órgão, em 5 de agosto de 2024.
Além dos corpos, o IML Estácio de Lima também acumula 159 ossadas de achados cadavéricos, encontradas desde 2018, que ainda não foram colocadas nos ossuários dos cemitérios por falta de espaço.
A Agência Tatu entrou em contato com a Central Única de Sepultamentos de Maceió, que é responsável pelo atendimento à população para agendamento de sepultamentos, em 1º de agosto deste ano, para saber em quanto tempo um cidadão consegue um lugar para enterrar nos cemitérios públicos da capital.
Na conversa por WhatsApp, o atendimento informou que há uma alta demanda de sepultamentos e seria possível conseguir um local para sepultamento somente no dia seguinte. A espera, no entanto, já foi maior, como foi relatado em reportagem da Agência Tatu, publicada em maio de 2023, em que a entrevistada Débora Cavalcante relata que teve que esperar quase quatro dias por uma vaga, para enterrar o esposo Ery Feitosa.
Em resposta à solicitação enviada via Lei de Acesso à Informação, a Alurb disse que as ações do sistema funerário de Maceió são planejadas a curto, médio e longo prazo. No primeiro caso, o órgão informou que realizou a liberação de algumas gavetas, resultando em novas vagas, mas não precisou a quantidade.
“A médio prazo estamos fazendo a ampliação do cemitério São Luiz, hoje em fase de supressão das árvores para início da obra nos próximos dias, sendo disponibilizadas mais de 1.500 vagas. A longo prazo é prevista a construção de um novo cemitério, porém hoje estamos concluindo as duas etapas anteriores para focarmos nesta terceira”, disse o órgão em documento datado de 18 de junho de 2024.
Em maio de 2023, a Agência Tatu publicou uma reportagem mostrando que 80% dos enterros naquele ano ocorreram em covas rasas, referente ao período de 1º de janeiro a 18 de maio de 2023.
Na época, a Coordenação Geral de Serviços Funerários (CGSF), gerida pela Alurb, informou que não havia os dados detalhados por mês e ano, e nem sequer com uma organização padrão para todos os cemitérios públicos de Maceió.
Desta forma, no ano passado, o órgão enviou somente dados gerais de sepultamento por ano, com exceção do cemitério São José, e dos sepultamentos realizados por tipo de sepultura, não sendo possível saber os números certos e detalhados por mês.
Somente através dos pedidos de LAI, realizados este ano, é que a Agência Tatu teve acesso aos dados organizados. Em resposta a uma solicitação de informação específica sobre como é feita a gestão dos dados do sistema funerário de Maceió, a Alurb informou que, atualmente, é realizado um controle duplo, de forma virtual e física.
“O sistema eletrônico é alimentado pela Coordenação Geral, constando os dados do falecido, responsável, data e local de sepultamento etc. O físico é livro no próprio cemitério que são registrados o local do sepultamento, nome do falecido e responsável etc”, disse em resposta, após intervenção do MPAL.
Mesmo após receber os dados pormenorizados em formato aberto, uma inconsistência foi notada em relação ao cemitério São José e Santa Luzia, em comparação com a primeira resposta recebida por LAI neste ano, que trazia somente o quantitativo geral de sepultamentos de 2021 a 2023.
Enquanto na primeira resposta passada pelo órgão foi informado que o total de sepultamentos realizados no cemitério São José, de 2021 a 2023, foi de 4.912, quando analisados os números detalhados, recebidos posteriormente em planilha, o total dá 5.722. Já no Santa Luzia, a informação inicial apresentava 76 sepultamentos nesse período, enquanto nos dados abertos o somatório é igual a 77.
A Agência Tatu entrou em contato com a assessoria da Alurb e questionou sobre a diferença nesses valores, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
Conseguir as informações solicitadas por meio da LAI não foi uma tarefa fácil, e muito menos rápida. Como já explicado em matéria anterior da Agência Tatu, após recursos indeferidos e respostas incompletas, foi necessário protocolar uma representação junto ao MPAL solicitando o cumprimento da lei e as referidas respostas conforme solicitadas.
Somente após essa intervenção é que os dados — detalhados por mês e ano, de 2021 a 2023, tipo de cova e cemitério — foram recebidos, entretanto ainda no formato incorreto, em pdf, como uma foto de uma cópia das planilhas impressas.
A Agência Tatu reforçou a necessidade de receber os dados em formato aberto, conforme assegura a própria LAI, uma vez que arquivos pdf não são considerados abertos, segundo o item 6 da Cartilha Técnica para Publicação de Dados Abertos no Brasil.
📊FORMATO ABERTO, POR FAVOR! É direito do cidadão solicitar que as informações via LAI sejam recebidas em formato aberto, e é dever dos órgãos e entidades públicas “possibilitar o acesso automatizado por sistemas externos em formatos abertos, estruturados e legíveis por máquina”, conforme diz o art. 8º, §3º, III da Lei Federal 12.527/11 (LAI).Outro documento que reforça a importância do acesso aos dados em formato aberto é a Cartilha Técnica para Publicação de Dados Abertos no Brasil, vide o item 6.b, que enfatiza: um erro recorrente cometido por diversas instituições é a publicação em formato PDF de planilhas de dados. O PDF é um formato não estruturado, e ao fazer isso – desestruturação dos dados – o publicador está inviabilizando, ou dificultando, a reutilização daqueles dados. |
Após isso, o promotor de justiça Flávio Gomes da Costa Neto solicitou a presença dos representantes da Agência Tatu e da Alurb em audiência, com o objetivo de resolver essas pendências, ocasião em que o órgão municipal se comprometeu em enviar os dados em formato aberto, o que foi feito no mesmo dia, em 19 de julho.
Segundo o advogado Roberto Moura, que representou a Agência Tatu na ocasião, “o resultado foi positivo para o que a audiência se propôs – acessar a informação pendente que a Tatu demandou. No entanto, o fluxo ainda resta pendente fazendo com que a sociedade civil fique atenta e cobre da prefeitura mudanças quanto ao acesso à informação”.
Para o advogado Bruno Morassutti, cofundador e diretor de Advocacy da Fiquem Sabendo — organização sem fins lucrativos especializada em transparência pública —, foi importante o protocolo da Agência Tatu para cumprimento da LAI, pois faz com que o ente público seja obrigado a perceber que existe um interesse público na regularização do atendimento de acesso à informação.
“O agente público tem que prestar contas de várias formas e uma delas é atender às demandas de acesso à informação. Sem esse cumprimento da lei, fica uma percepção de que a administração não está efetivamente preocupada com a imagem de transparência, com a imagem de impessoalidade. Então, por isso que é importante a gente ter o cumprimento”, afirma Morassutti.
O especialista em Lei de Acesso à Informação explica também que o não atendimento de demandas da LAI gera uma percepção de que o órgão tem algo a esconder, o que é prejudicial para a imagem do próprio agente público.
Em termos de transparência, a capital alagoana obteve resultados não muito favoráveis em dois índices específicos. No Índice de Dados Abertos para Cidades (ODI) 2023, Maceió aparece na 24ª posição, antepenúltima entre as capitais do Brasil. O ODI 2023 é uma iniciativa independente da Open Knowledge Brasil (OKBR) que avalia a disponibilidade e a qualidade de dados abertos nas 26 capitais brasileiras, exceto Brasília.
No ranking das capitais, Maceió figura com o nível de transparência considerado “opaco”, com pontuação 1 na avaliação geral, em uma nota que vai de 0 a 100. Quanto às dimensões temáticas, a capital alagoana teve pontuação zero em diversas áreas como Governança de Dados, Segurança Pública, Legislação, Saúde, entre outras.
Outro estudo internacional, o Índice de Transparência e Governança Pública (ITGP), que mede indicadores importantes para a transparência nas prefeituras das capitais brasileiras, classificou Maceió com transparência regular (56,2), entre os níveis ótimo, bom, regular e ruim.
A avaliação periódica publicada pela Transparência Internacional – Brasil avalia as dimensões de Governança, Legislação, Participação Social e Comunicação, Plataformas, Transparência Administrativa e Orçamentária e Obras Públicas nas prefeituras. Cada capital recebeu uma nota de 0 a 100, onde 0 representa o pior resultado e 100 o melhor em matéria de transparência.
Além de ser uma forma de sepultamento que faz a população reclamar sobre a falta de dignidade aos mortos, os enterros realizados em covas rasas também levantam outra problemática relacionada ao impacto ambiental que a inserção de um caixão diretamente no solo pode trazer.
Um estudo realizado pela pesquisadora Florilda Vieira, entre 2009 e 2010, apontou a contaminação de águas subterrâneas em diversos pontos da parte baixa de Maceió, devido à decomposição de cadáveres em cemitérios públicos.
A pesquisa, divulgada em 2012 como dissertação de mestrado através do Programa de Pós Graduação em Recursos Hídricos e Saneamento (PPGRHS) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), monitorou os cemitérios Nossa Senhora Mãe do Povo, em Jaraguá, e São José, no Trapiche da Barra.
Entre os resultados, o estudo evidencia que a água coletada nos poços desses cemitérios encontra-se totalmente fora dos padrões de referência para água potável, segundo a portaria 2914/2012 do Ministério da Saúde. A preocupação é também com a utilização das águas desse mesmo lençol freático em atividades domésticas, já que muitas residências no Trapiche e no Jaraguá são abastecidas por poços artesianos.
Uma recomendação apresentada pela pesquisadora é de que haja a construção de túmulos vedados, impedindo o vazamento de necrochorume, ao invés da prática de enterrar diretamente na terra, como é o caso dos enterros em covas rasas.
Segundo o doutor em Geotecnia Ambiental e professor do Instituto Federal de Pernambuco (IFPE), Eduardo Maia Lins, os sepultamentos em covas rasas geralmente são realizados em até um metro de profundidade, pois é a altura mínima necessária. Essa profundidade pode impactar na contaminação do lençol freático, a depender do nível de cada cidade.
“Por exemplo, em cidades como Recife, a 50 cm você já encontra água. Então é muito complexo, é muito variável o tipo de impacto que você pode encontrar. Mas, você pode ter contaminação de lençol freático, pode ter contaminação do solo, pode ter contaminação vegetal, pode ter contaminação da atmosfera pelos gases. E isso considerando que existam inúmeros tipos de cadáveres”, explica o especialista.
Para o pesquisador na área de gestão de resíduos sólidos e contaminação ambiental, a forma de sepultamento que seria mais adequada, em termos de minimização de impactos ambientais, seria a cremação.
“O processo de incineração do corpo humano é ambientalmente o mais adequado. O problema é que o custo ainda é elevado e nem todos têm acesso ainda. Existem alguns países que ainda vislumbram outros tipos de tratamento. Mas, na minha opinião, a prática da incineração, ela seria considerada a melhor”, explica Eduardo Maia Lins.
Via Agência Tatu