REGIÃO

Fazendeiros ameaçam geoglifos na Amazônia enquanto expansão agrícola avança

Em meio à crescente influência da indústria agrícola na Amazônia, Antonia Barbosa enfrenta o desafio de proteger sítios arqueológicos da antiga civilização, em um cenário onde a expansão da agricultura se torna cada vez mais implacável.

Na região sudoeste da Amazônia, os geoglifos — antigas estruturas geométricas que se estendem por até 385 metros de largura e quase 5 metros de profundidade — estão sendo destruídos à medida que fazendeiros buscam aumentar suas receitas. Nos últimos anos, pelo menos nove dos mais emblemáticos geoglifos foram arados, apagando vestígios de uma civilização que prosperou por cerca de 1.000 anos, em paralelo com a Grécia Antiga. Enquanto a demanda global por soja, milho e açúcar cresce, os geoglifos estão desaparecendo rapidamente, mesmo enquanto novos sítios são descobertos.

Barbosa, a única arqueóloga do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Acre, expressa preocupação: “No terreno de nossa casa, temos um patrimônio tão importante quanto as pirâmides do Egito. Eles duraram mais de 2.000 anos, e vamos destruí-los em menos de uma geração”.

A pressão econômica sobre a Amazônia é enorme, já que os agricultores e pecuaristas representam 24% do PIB brasileiro. O Acre, em particular, viu sua produção de soja triplicar em dois anos, somando cerca de 60.600 toneladas. Esse crescimento foi impulsionado pela busca incessante de lucro, levando muitos proprietários de terras a preferir destruir sítios arqueológicos em troca de multas que representam apenas uma fração de seus ganhos.

“O custo de proteger os geoglifos é insignificante comparado ao lucro da colheita de soja, que alcançou R$ 341 bilhões no ano passado”, observa Barbosa. A rápida destruição das antigas estruturas é parte de um desmatamento maior, colocando em risco a Amazônia, que armazena cerca de 20% do carbono da vegetação do planeta.

Estudos recentes revelaram que os geoglifos são fundamentais para entender a história da Amazônia, evidenciando uma civilização que cultivou árvores frutíferas e alinhou seu calendário agrícola com os solstícios. No entanto, a destruição continua, mesmo em sítios mais preservados, onde o gado frequentemente invade as antigas estruturas.

A tensão entre a exploração econômica e a preservação do patrimônio cultural é palpável. Barbosa ilustra o risco ao mostrar uma foto recebida via WhatsApp de um proprietário de terras armado, que expressa seu descontentamento com a presença de arqueólogos.

Descobertos apenas no final do século XX, os geoglifos foram inicialmente mal interpretados como trincheiras de guerra. A importância das estruturas só foi reconhecida nas últimas duas décadas, com o Iphan identificando mais de 300 geoglifos no Acre, enquanto outras 24.000 possíveis obras ainda não foram descobertas.

A maioria das estruturas geoglíficas está ao longo da BR-317, conhecida como “Rodovia dos Geoglifos”, que corta pelo menos 11 sítios. Enquanto Barbosa luta para proteger os geoglifos, fazendeiros continuam a expandir suas operações, desconsiderando a riqueza cultural que está em jogo.

Entre os proprietários de terras, o caso mais notório é o da Fazenda Crichá, onde cinco geoglifos foram destruídos em questão de dias em 2019. O proprietário, Assuero Doca Veronez, minimiza a destruição, alegando que foi um “acidente”, mas está enfrentando ações judiciais que buscam reparação pelos danos.

Enquanto Barbosa e outros defensores tentam resgatar e proteger esses sítios, muitos proprietários de terras, frequentemente forasteiros, buscam maximizar lucros à custa do patrimônio cultural. A Amazônia, com seu papel crucial no equilíbrio climático global, está em um delicado ponto de inflexão, com a luta entre a agricultura e a preservação cultural se intensificando.

No Acre, apesar de sua rica herança cultural, o turismo ainda não explorou completamente o potencial dos geoglifos. Enquanto o governo local tenta promover o turismo relacionado aos geoglifos, a pressão pela agricultura continua a aumentar. Para Ranzi, um acadêmico que investiga os geoglifos, a situação é alarmante: “Estamos correndo o risco de destruí-los antes de conhecê-los”.

Via site bloomberg.