O Benefício de Prestação Continuada (BPC), previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), está no centro de um intenso debate. O Projeto de Lei 4.614/2024, que teve pedido de urgência aprovado na Câmara dos Deputados na última quarta-feira (6), propõe endurecer os critérios para concessão e manutenção do benefício, o que, segundo especialistas, pode restringir o acesso da população mais vulnerável.
O BPC, previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), garante um salário mínimo por mês ao idoso com idade igual ou superior a 65 anos ou à pessoa com deficiência de qualquer idade. No caso da pessoa com deficiência, esta condição tem de ser capaz de lhe causar impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo (com efeitos por pelo menos 2 anos), que a impossibilite de participar de forma plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas.
De acordo com o advogado previdenciarista Jefferson Maleski, do escritório Celso Cândido de Souza Advogados, uma das mudanças mais drásticas é a exigência de cadastro biométrico, que antes era obrigatório apenas para novos pedidos. Caso o projeto seja aprovado, essa exigência se estenderá às renovações, o que pode dificultar o processo para idosos e pessoas com deficiência. “Quem não fizer o cadastro biométrico pode perder o benefício, criando uma barreira para grupos que já enfrentam dificuldades de mobilidade”, alerta o especialista.
Outra alteração prevista é a obrigatoriedade de realizar o Cadastro Único em domicílio para famílias compostas por apenas uma pessoa. Essa medida dependerá da estrutura dos Centros de Referência de Assistência Social (Cras), mantidos pelas prefeituras. “Se o município não tiver equipes suficientes para visitar essas casas, muitas pessoas serão prejudicadas, pois não conseguirão atualizar ou se inscrever no sistema”, explica Maleski.
A proposta também redefine o conceito de composição familiar. Atualmente, apenas as rendas de pessoas que moram sob o mesmo teto são consideradas. Com a mudança, rendimentos de parentes que vivem em endereços diferentes, como pais, filhos e irmãos, poderão ser incluídos, desde que contribuam financeiramente sem comprometer a própria subsistência. Enteados e menores tutelados também passarão a ser considerados na composição da renda familiar.
Deficiência e incapacidade
Uma das mudanças mais polêmicas diz respeito às pessoas com deficiência. Hoje, o BPC é destinado a pessoas com deficiência avaliada pelo Código Internacional de Funcionalidades (CIF), que leva em conta barreiras sociais e físicas. O novo projeto exige que o beneficiário esteja incapacitado para o trabalho e para a vida independente, além de apresentar um diagnóstico no Código Internacional de Doenças (CID). “Essa proposta confunde deficiência com incapacidade. Nem toda pessoa com deficiência está inválida. Essa exigência pode excluir muitas pessoas que realmente precisam do benefício”, critica Maleski.
Outra novidade é a inclusão de bens patrimoniais no cálculo da renda familiar. Até então, apenas os rendimentos mensais eram considerados. Com a mudança, pessoas que possuam propriedades ou bens acima do limite de isenção anual do Imposto de Renda poderão ser desqualificadas. “Isso penaliza quem adquiriu um imóvel no passado e, atualmente, vive sem renda suficiente para se sustentar”, afirma o advogado.
Segundo Maleski, essas mudanças têm como objetivo declarado reduzir despesas do governo, mas os cortes atingirão diretamente a população em situação de vulnerabilidade. “O BPC é destinado a quem vive em extrema pobreza. Com essas regras mais rígidas, muitas pessoas que hoje cumprem os critérios perderão o direito ao benefício”, explica.
Ele também destaca que as mudanças terão impacto imediato tanto na concessão quanto na renovação dos benefícios. “As restrições dificultarão o cumprimento dos requisitos, levando a uma queda expressiva no número de concessões”, avalia.
Rapidez na solicitação
Para quem ainda não solicitou o BPC, Maleski recomenda que o pedido seja feito antes da aprovação do projeto. “Quem já estiver recebendo terá algum tempo para se adequar às novas regras, mas, ao menos, poderá garantir o benefício por um período antes que as mudanças entrem em vigor”, sugere.
O advogado ainda ressalta a importância de entender os critérios atuais para solicitar o benefício. Além de comprovar renda familiar inferior a um quarto do salário mínimo, pessoas idosas precisam ter mais de 65 anos, enquanto pessoas com deficiência devem apresentar comprovação de sua condição.
Por fim, Maleski enfatiza que o projeto de lei ainda está em tramitação no Senado e pode sofrer alterações. Contudo, ele alerta que a proposta já demonstra uma intenção governamental de reduzir o acesso ao benefício. “Essa é uma questão que afeta diretamente as pessoas mais necessitadas. É essencial que a sociedade acompanhe e pressione para que essas mudanças sejam debatidas com responsabilidade”, conclui.