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PEC das Praias: polêmica sobre privatização de terrenos litorâneos divide opiniões no Senado

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) conhecida como “PEC das Praias” voltou a ser debatida no Senado e está na pauta da Comissão de Cidadania e Justiça (CCJ) nesta quarta-feira (4). A proposta busca modificar as regras sobre terrenos de marinha e gerou forte controvérsia, com críticos alegando que ela poderá abrir caminho para a privatização de praias, enquanto os defensores rebatem essa interpretação.

O que é a PEC das Praias?

Atualmente, no Brasil, terrenos à beira-mar são públicos, pertencentes à União, e conhecidos como “áreas de marinha”. Essa norma remonta ao período colonial, quando a Coroa portuguesa reservou essas áreas para controle estratégico e econômico. A medida visava proteger o território de invasões marítimas, garantir a pesca controlada e explorar salinas, essenciais para a economia da época.

Especialistas explicam que essa tradição começou em 1710, com uma carta régia assinada por Dom João V, que determinava que a faixa de terra de 15 braças — cerca de 33 metros — ao longo do litoral fosse reservada à Coroa portuguesa. Esse limite foi mantido após a independência do Brasil, consolidado em legislações como a de 1818, assinada por Dom João VI, e regulamentado definitivamente em 1831, durante o período regencial.

Desde então, esses terrenos têm sido utilizados para fins públicos e em regime de aforamento, quando o governo concede o uso das áreas a particulares mediante pagamento de taxas anuais.

Por que a proposta é polêmica?

A principal crítica à PEC é que ela poderia permitir a privatização de áreas litorâneas, retirando sua proteção como bens públicos. Ambientalistas, juristas e historiadores temem que a proposta abra precedentes para degradação ambiental e exclusão social, comprometendo o uso coletivo dessas áreas.

“Essa PEC representa um ataque ao patrimônio público e pode ser vista como uma forma de racismo ambiental, afetando principalmente populações que dependem desses territórios para sua subsistência”, argumenta o historiador Paulo Henrique Martinez, da Unesp.

Por outro lado, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), relator da PEC, afirma que a proposta não visa à privatização das praias, mas à regularização de ocupações já existentes, beneficiando comunidades locais, incluindo quilombolas. Segundo ele, a medida poderá conceder títulos de propriedade a moradores dessas áreas, garantindo segurança jurídica.

Legado histórico e impacto atual

O controle sobre terrenos de marinha foi reforçado ao longo do tempo para equilibrar interesses de segurança, economia e preservação. A legislação de 1946, assinada pelo então presidente Eurico Gaspar Dutra, estabeleceu o marco de 33 metros horizontais a partir da linha de preamar medida em 1831, e essa regulamentação foi incorporada à Constituição de 1988, que consolidou os terrenos como bens da União.

Nos últimos anos, o debate sobre essas áreas ganhou novos contornos, com demandas por regularização fundiária, preservação ambiental e uso sustentável.

“É um tema que exige equilíbrio. Precisamos considerar tanto a necessidade de gestão pública eficiente quanto os direitos das comunidades locais e a proteção do meio ambiente”, pontua o jurista Marcelo Crespo, coordenador do curso de Direito da ESPM.

Próximos passos

Caso seja aprovada pela CCJ nesta quarta-feira, a PEC ainda precisará passar por duas votações no plenário do Senado antes de seguir para sanção presidencial. Enquanto isso, o debate segue aquecido, com defensores e críticos atentos aos desdobramentos dessa proposta que pode redefinir o controle das áreas costeiras no Brasil.