O presidente Luiz Inácio Lula da Silva acompanhou de bem longe as conversas de Donald Trump com o colega ucraniano Volodymyr Zelensky e sete líderes europeus, na segunda-feira, sobre as chances de paz no Leste Europeu. Ruim para o Brasil? Nem tanto.
A 6800 quilômetros de Brasília, Trump teve primeiro uma conversa reservada – e bem menos tensa que a anterior – com Zelensky. Somente depois recebeu também os principais líderes europeus, preocupados com a repercussão da cúpula do Alasca, amplamente favorável ao presidente da Rússia, Vladimir Putin.
Durante a segunda parte da conversa ele telefonou para Putin e, em seguida, anunciou que um encontro dos presidentes da Rússia e da Ucrânia estaria a caminho.
Ainda é cedo para dizer quando – e como – terá fim o conflito aberto pela invasão da Ucrânia pela Rússia. Se o objetivo for mesmo uma paz permanente, ela precisará ser aceitável tanto pelos dois países em guerra quanto pelos principais países do Ocidente.
Mas uma coisa parece certa: além de Putin, apenas os líderes reunidos em Washington na segunda-feira terão voz nas negociações. E isso porque os líderes europeus insistiram em ser ouvidos por Trump antes da conclusão de qualquer acordo.
O presidente dos Estados Unidos quer um acordo que lhe proporcione uma aura de estadista que está longe de exibir. Quem sabe uma indicação para o Prêmio Nobel da Paz?
Por isso pressiona a Ucrânia a ceder nas negociações com Moscou. O argumento é um que ele parece entender bem: a lei do mais forte.
“A Rússia é uma potência, eles não são”, expôs Trump ao se referir à necessidade de convencer a Ucrânia a ceder nas negociações territoriais com Moscou.
Os europeus entram na história para tentar dar um pouco mais de peso à Ucrânia nas conversas. Mas o maior poder de barganha parece estar com Putin, que acompanhou de longe as negociações de Washington antes de definir seus próximos passos.
Se os aliados atlânticos não parecem assim tão importantes para Trump, provavelmente ainda menos peso teriam as ponderações de países mais distantes do conflito.
O presidente Lula bem que tentou entrar nas negociações. Há pouco mais de um mês, em visita à França, ele sugeriu que um grupo de países, liderados pela Organização das Nações Unidas, comandasse as tratativas de paz entre Rússia e Ucrânia.
“Como os dois (líderes) têm dificuldade, era preciso que um colegiado, liderado pela ONU, fizesse a proposta de bom senso para os dois”, argumentou Lula. “Não é nem 100% a posição do Zelensky, nem 100% a posição do Putin. É 100% aquilo que for possível”.
Não deixa de ser sensata a proposta do presidente brasileiro. Em tempos normais, a busca de uma solução em negociação multilateral, com liderança da ONU, faria todo o sentido. Mas a ONU está longe de seus melhores dias, e o cenário atual privilegia as demonstrações de força.
Diante desse quadro fragmentado, pode ser até saudável para o Brasil ficar longe da mesa de negociações. O país pode – e deve – ressaltar sua tradicional posição favorável à solução pacífica de conflitos. Mas também deve guardar suas energias para questões mais próximas.
Em 200 anos de história, as relações entre Brasil e Estados Unidos talvez nunca tenham estado tão ruins. Praticamente não há canais de diálogo. E Washington pretende ampliar a pressão à medida que se aproxima o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Não há trégua à vista entre os dois maiores países do Hemisfério Ocidental. Ao contrário, as tensões devem aumentar nos próximos meses. Se Trump nunca falou com Lula, tampouco o desejaria por perto nas negociações sobre a distante Ucrânia.
Quem ligou para Lula foi Vladimir Putin, para fazer seu relato das conversas no Alasca com o presidente dos Estados Unidos. Ou seja, existe um canal aberto com Moscou, e outro fechado com Washington.
Pode-se argumentar que Lula sempre demonstrou mais simpatia pela Rússia no conflito com a Ucrânia, até por herança do pensamento de esquerda contra o imperialismo americano. Também pode-se recordar que ele defende concessões territoriais da Ucrânia.
O próprio Trump, porém, já sabe que essas concessões terão de ser feitas. As peças que ainda não se encaixam são aquelas das garantias à Ucrânia de que os russos vão parar por aí.
De alguma forma eles vão se resolver, sem a participação da ONU ou de qualquer grupo de países independentes. O resto do mundo apenas espera.
Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.