Gerar renda a partir da floresta, preservando o meio ambiente, é a missão da Cooperativa dos Produtores de Agricultura Familiar e Economia Solidária de Nova Cintra (Coopercintra), em Rodrigues Alves, interior do Acre. No município, onde mais de 61% da população vive na zona rural, o óleo de murumuru vem se tornando um símbolo de bioeconomia, sustentabilidade e força comunitária, chegando a grandes empresas de cosméticos, como a Natura.
A cooperativa atua em 53 comunidades rurais, distribuídas por cinco municípios — Porto Walter, Rodrigues Alves e Cruzeiro do Sul (AC) e Guajará e Ipixuna (AM) — produzindo cerca de 20 toneladas de manteiga de murumuru por ano. Parte desse volume é fornecida para pelo menos três grandes marcas de cosméticos do país.
Segundo a diretora executiva da Coopercintra, Queline Souza, o trabalho realizado há 14 anos valoriza o manejo sustentável e fortalece famílias que vivem da floresta em pé. Hoje, 30% da diretoria é formada por mulheres. “O murumuru, antes visto como um espinheiro inútil, tornou-se fonte de renda complementar e ferramenta para preservar a natureza”, afirma.
Da floresta para o mercado nacional
O murumuru é uma palmeira nativa da Amazônia, presente em áreas de várzea e terra firme. Seu fruto abriga amêndoas ricas em óleos e ácidos graxos, de alto valor para a indústria cosmética devido ao poder hidratante e regenerador. A colheita respeita o ciclo natural da planta: os frutos caem naturalmente, são descascados manualmente, passam por secagem ao sol e, depois, são prensados para a extração da manteiga.
Todo o processo é realizado na sede da cooperativa, com estrutura cedida pela Fundação de Tecnologia do Acre (Funtac), que também oferece capacitação técnica. A Natura é parceira no financiamento de melhorias e na qualificação produtiva. A extração segue métodos como a prensagem a frio, que preserva as propriedades naturais do óleo. Nada é desperdiçado: a casca é aproveitada em olarias e o resíduo sólido, chamado “torta de murumuru”, vira ração.
Para Cleisson Oliveira, selecionador de amêndoas há mais de 10 anos, preservar a palmeira é fundamental para a continuidade do trabalho. “Se derrubarem os pés de murumuru, não teremos como viver disso”, alerta. Já o coletor Antônio Carlos da Costa lembra que o manejo sustentável garante renda e mantém a floresta em pé: “O trabalho mais pesado é na mata, limpando o entorno e garantindo que não haja risco com animais, mas é dali que tiramos o sustento.”
Reflorestamento e novas cadeias produtivas
Preocupada com o desmatamento e as queimadas, a Coopercintra mantém um viveiro florestal, em parceria com a SOS Amazônia, para reflorestar e enriquecer áreas degradadas. O projeto envolve 15 famílias e já trabalha com espécies como açaí, cacau e graviola. A meta é também reflorestar áreas com murumuru, aproximando a palmeira das comunidades produtoras.
De acordo com a diretora técnica da Funtac, Suelen Farias, o fortalecimento da cadeia do murumuru passa por capacitação, melhoria na coleta e no armazenamento, modernização da produção e estratégias de comercialização. A micro usina da cooperativa, doada pela Funtac em 2004, foi modernizada com recursos do governo estadual, do Programa REM e da Natura. “Ensinamos também a divulgação nas redes sociais e a importância de embalagens atrativas”, explica.
A ação é fruto de uma rede de parcerias que inclui a Universidade Federal do Acre (Ufac), o Sebrae, a Funtac, o governo do Estado e a iniciativa privada.
Pagamento direto aos extrativistas
Em junho, o governo do Acre concretizou um feito aguardado há quase 30 anos: o pagamento da subvenção da borracha e do murumuru diretamente na conta dos extrativistas, garantindo mais agilidade e segurança. A medida foi implementada pela Secretaria de Agricultura (Seagri) com apoio do Banco do Brasil, beneficiando mais de 70 produtores no projeto piloto.
Segundo o secretário de Agricultura, José Luis Tchê, a nova metodologia elimina erros e atrasos comuns no sistema anterior. “Decidimos resolver a vida dos extrativistas e pagar diretamente, sem burocracia”, afirma.
O óleo de murumuru, mais que um insumo valioso, carrega a força da floresta, a biodiversidade e a história de comunidades que uniram tradição e inovação para transformar um recurso antes subestimado em fonte de renda, preservação e desenvolvimento sustentável.