Opinião: Chamar “Vale Tudo” de homenagem, com tanto furo no roteiro, é um insulto à novela original

Opinião: Chamar “Vale Tudo” de homenagem, com tanto furo no roteiro, é um insulto à novela original

Na última semana, a novela “Vale Tudo” sofreu com um roteiro que parece tratar o telespectador como imbecil. Manuela Dias, em vez de honrar o clássico, recorreu a soluções tão inverossímeis que beiram o deboche. É claro que toda novela exige certa licença poética — como a própria Glória Perez já disse, é preciso “voar”. Mas há uma diferença enorme entre voar e simplesmente jogar no lixo qualquer coerência mínima.

Um dos exemplos mais grotescos foi o casamento de Ana Clara (Samantha Jones) e Leonardo (Guilherme Magon), filho de Odete (Débora Bloch). O noivo, legalmente incapaz, sem documento e sem testemunhas, consegue se casar apenas porque subornou a juíza. O detalhe é que suborno não materializa testemunhas nem recria a documentação de um morto. Ainda assim, a cena foi tratada como se bastasse ter algum dinheiro para conseguir algo neste nível. O público, obviamente, não é ingênuo a ponto de engolir essa solução preguiçosa.

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Na sequência, a mesma Ana Clara liga para um laboratório e, sem dificuldade alguma, descobre o resultado de um exame que Odete havia feito — justamente um exame de compatibilidade genética. A cena é quase um insulto: bastou dizer que queria saber o resultado do “marido” e a atendente contou tudo. Na vida real, a confidencialidade de exames médicos é uma barreira sólida, mas na novela foi reduzida a um passe de mágica para mover a trama.

E o que dizer da Paladar, a empresa de Raquel (Taís Araújo)? Ela havia falido, mas de repente está de volta, sem que o público saiba como, por quê ou em que condições. O que aconteceu com as ações? Odete está a par? Foi reaberta de que jeito? Nada disso foi mostrado. Limitou-se a exibir a casa comprada por Celina (Malu Galli), enquanto o funcionamento da empresa — peça central da trama — ficou completamente ignorado. É como se a autora acreditasse que esses detalhes são irrelevantes, quando, na verdade, são eles que sustentam a lógica do enredo.

O que fica claro é que Manuela Dias prefere apostar em soluções fáceis que subestimam a inteligência do espectador. Não se trata de exigir realismo absoluto — novela não é jornalismo —, mas de respeitar a coerência mínima da história. Quando um clássico é recontado dessa forma, perde-se não só a credibilidade, mas também a força da narrativa original.

No fim, a sensação é de que não estamos “voando” com a ficção, e sim sendo arrastados por uma sucessão de absurdos que destroem a herança de um dos maiores clássicos da teledramaturgia brasileira.

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