Nas esquinas e estabelecimentos comerciais, a cena se repete. Uma pessoa em situação de rua se aproxima para conversar ou pedir uma ajuda às mesas de bares e restaurantes e prontamente um funcionário tenta expulsá-la, como se fosse possível distanciar-se da realidade do país. Projetos de Lei protocolados na Câmara de São Paulo e na ALESP querem enfrentar essa questão e multar a prática da aporofobiia, a discriminação contra os pobres.
As propostas foram apresentadas pelo deputado estadual Eduardo Suplicy (PT) e pela vereadora Amanda Paschoal (PSOL). “Queremos conscientizar servidores e cidadãos. Haverá campanhas, cartilhas e formações para combater a naturalização da exclusão. Não podemos aceitar que a pobreza seja tratada como crime”, aponta a vereadora, que está em seu primeiro mandato. O texto define como práticas de aporofobia remoções forçadas das ruas, recolhimento de pertences, agressões e discriminações no, transporte, hospedagem, templos, espaço de cultura, esporte ou trabalho.
A proposta prevê advertências, multas – conforme a renda do infrator – e até de cassação de alvarás em casos de reincidência. Quando cometida por agentes públicos, haverá responsabilização disciplinar. Os recursos arrecadados serão destinados ao Fundo Municipal de Combate à Fome e ao Fundo Social de São Paulo.
O padre Júlio Lancelloti, crê na relevância do projeto para discutir a relação da sociedade com os mais pobres, “porque vai abordar aspectos subjetivos, mas aspectos objetivos também. E pode melhorar o atendimento das pessoas em situação de rua ou das pessoas empobrecidas. Esperamos que sejam aprovados na Assembleia e na Câmara Municipal, uma vez que já temos no Estatuto das Cidades a lei que proíbe arquitetura hostil”
A Lei 14.489/22, conhecida como Lei Padre Júlio Lancellotti, proíbe a “arquitetura hostil” em espaços públicos e coletivos, ou seja, a utilização de materiais, estruturas e técnicas construtivas que visam afastar pessoas em situação de rua e outros grupos vulneráveis. A norma só foi sancionada após o Congresso derrubar um veto do então presidente Jair Bolsonaro.
A homenagem deve-se a uma das muitas atividades do padre para defender esse grupo. Em fevereiro de 2021, a gestão do prefeito Bruno Covas instalou pedras pontiagudas sob o viaduto Dom Luciano Mendes de Almeida, no Tatuapé, zona leste de São Paulo, para que catadores de recicláveis não dormissem no local. Indignado, Lancellotti denunciou a ação e foi até o viaduto para quebrar a marretadas algumas das pedras.
O termo foi criado pela filósofa espanhola Adela Cortina e está presente em seu livro “Aporofobia, a aversão ao pobre: um desafio para a democracia” (Editora Contracorrente), Ela a cunhou a partir das palavras gregas á-poros (pobre, sem recursos) e phobos (medo, aversão). Segundo dados da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). são 335 mil mil pessoas em situação de rua no país, com cerca de 96 mil vivendo na cidade de São Paulo (8 por mil habitantes). Entre 2020 e 2024 foram registradas quase 47 mil violências contra a população de rua no Brasil. A capital paulista lidera o ranking com cerca de 9 mil ocorrências no período.
A articulação entre Suplicy e Paschoal reforça a necessidade de políticas integradas entre assistência social, educação, direitos humanos e urbanismo no estado de São Paulo. Na esfera federal, há projetos sobre o tema parados no Congresso. A Comissão de Educação da Câmara aprovou a proposta da deputada Tabata Amaral (PSB-SP) que torna a aporofobia um tema transversal dos currículos escolares, fortalecendo o ensino sobre direitos humanos e combate à desigualdade.
A psolista recorda que o prefeito Ricardo Nunes vetou o projeto da vereadora Luna Zarattini (PT) para instalação de bebedouros públicos no município. “Essa gestão coloca em prática uma política de perseguição e desmonte dos serviços e dos equipamentos públicos. Nós acompanhamos o fechamento de centros de atendimento à população de rua em Santo Amaro, por exemplo. O recurso destinado à Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social é inferior às demandas”
A aprovação do proposta na Câmara Municipal vai depender de tempo e negociação, segundo a vereadora. O acordo para votar projetos de consenso separados de propostas mais polêmicas não foi respeitado pela presidência da casa e desde então a pauta está travada. Na ALESP, o projeto foi debatido na última reunião da bancada do PT e Eduardo Suplicy pediu empenho da legenda para sustentar o PL na Comissão de Constituição, Justiça e Redação.