Rafa Kalimann, “Profissão Repórter” e a desigualdade que cruzou a programação da Globo

Rafa Kalimann, “Profissão Repórter” e a desigualdade que cruzou a programação da Globo

Ontem, dois programas de televisão exibidos quase em sequência mostraram o que o Brasil é — ou talvez o que o Brasil ainda não quer encarar. Em “Aberto ao Público”, Rafa Kalimann participava de um quadro em que o público fazia perguntas. Se ela não quisesse responder, quem perguntou ganhava cinquenta reais. Entre risadas e curiosidades, veio a questão: qual foi a roupa mais cara que você já comprou? Rafa preferiu não responder. Pagou os cinquenta reais e seguiu o jogo.

À primeira vista, nada demais. Mas o gesto gerou estranhamento — inclusive em quem assistia em casa. Por que não responder? Por que tanto mistério? Talvez porque, em tempos de desigualdade escancarada, dizer quanto se gasta numa roupa possa soar como uma afronta. Talvez porque, mesmo sem querer, a resposta carregasse um peso moral, o desconforto de expor um luxo diante de um público que luta para pagar o básico.

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Logo depois, no “Profissão Repórter”, o contraste veio como um soco silencioso. A reportagem mostrava mães atípicas — mulheres que criam sozinhas filhos neurodivergentes ou com deficiências severas. Entre elas, Carol, mãe de Lucas, um menino com paralisia cerebral. Ela vive em condições precárias, num espaço pequeno e insalubre, mas não deixou de sorrir diante das câmeras.

Na mesma noite, a TV exibiu duas realidades opostas: o entretenimento do consumo e a sobrevivência na escassez. E o mais curioso é que uma história ajuda a compreender a outra. O silêncio da Rafa, em vez de ser visto como vaidade, pode ser entendido como consciência — ainda que inconsciente. É difícil falar de luxo quando, no mesmo país, o sorriso de uma mãe como Carol é sustentado pela esperança, não pelo dinheiro.

Esses dois programas, exibidos lado a lado, dizem mais sobre nós do que gostaríamos de admitir. Mostram o abismo que separa quem pode escolher o que calar e quem precisa gritar para ser ouvido. Mostram também a capacidade da televisão de nos fazer pensar — mesmo quando não é essa a intenção.

Não se trata de julgar celebridades, mas de refletir sobre um país onde o preço de uma roupa pode equivaler ao sonho de uma casa. Onde a ostentação é naturalizada e a dignidade, muitas vezes, é luxo.

O que vimos na tela não foi apenas entretenimento nem apenas jornalismo. Foi um retrato social. E, entre o silêncio de Rafa Kalimann e o sorriso de Carol, está o espelho de um Brasil desigual, sensível e, talvez, ainda capaz de se comover.

Categories: ENTRETENIMENTO
Tags: Aberto ao PúblicoCarla BittencourtProfissão RepórterTV Globo