Jara marcada para perder (por Marcos Magalhães)

Jara marcada para perder (por Marcos Magalhães)

Jeannette Jara até que foi longe. Mesmo a bordo de um sobrevivente Partido Comunista, chegou à frente no primeiro turno das eleições presidenciais, com mais de um quarto dos votos dos chilenos. Mas o ultraconservador Jose Antonio Kast é o favorito para ocupar o Palacio de la Moneda a partir de 2026.

A disputa entre os representantes de dois extremos na política chilena ocorre 53 anos depois do golpe militar promovido pelo general Augusto Pinochet, que mandou bombardear o mesmo palácio, ainda ocupado pelo então presidente Salvador Allende.

Agora centro das atenções na disputa do segundo turno, Kast sempre foi um admirador confesso de Pinochet, provavelmente o mais sanguinário dos ditadores que governaram diversos países da América do Sul ao longo dos anos 1970.

Jara, por sua vez, representa uma frente de centro-esquerda que levou ao poder o atual presidente, Gabriel Boric. Seu comunismo é mais moderado, como demonstrou como ministra do Trabalho e da Previdência de Boric.

Ela ajudou a aprovar a redução da jornada semanal de trabalho, de 45 para 40 horas, e a reforma da Previdência. Agora aposta no desenvolvimento com inclusão social para dar continuidade ao que vê como humanização do crescimento chileno.

Jeannette não é parente direta de Victor Jara, um dos principais ícones da Nueva Canción Chilena, assassinado pela ditadura de Pinochet em 1973.

A candidata nasceu um ano depois, em uma família trabalhadora da comuna de Conchalí. Mas seu sobrenome, aliado às simpatias políticas do adversário, ressalta as conexões com aquele momento histórico.

O Chile de Allende foi uma tentativa de chegar ao socialismo pela via democrática. Acabou mal. Os anos de chumbo da ditadura foram acompanhados de uma política econômica assumidamente liberal, cujos resultados incluem, de um lado, forte crescimento e, de outro, escassa inclusão social.

Depois da redemocratização, governos de centro-direita e centro-esquerda se revezaram no poder. Os primeiros apostaram na antiga receita de crescimento. Os segundos na redução das ainda grandes desigualdades no país.

Jeannette Jara ainda aposta nessa humanização do modelo chileno. Propõe, por exemplo, que cada trabalhador receba uma espécie de “renda vital”, no valor de US$ 800, capaz de ajudar as famílias a enfrentarem as despesas até o final de cada mês.

Como indicam os resultados do primeiro turno, porém, os principais anseios dos chilenos agora são outros. Assim como em países ricos da Europa, o Chile agora se preocupa com a imigração ilegal e sua alegada consequência, o aumento da criminalidade.

Para o candidato da direita, Jose Antonio Kast, o aumento da criminalidade guarda relação direta com o aumento da imigração, especialmente de venezuelanos, a partir da pandemia. Assim como Donald Trump, ele promete construir muros e expulsar imigrantes ilegais.

Caso ele chegue mesmo na frente em dezembro, que impacto a sua eleição terá sobre o cenário político da América do Sul? A tentação imediata é a de concluir que ele será um segundo Javier Millei e mais um aliado de Trump no subcontinente. Tudo depende, porém, do tamanho de seu pragmatismo.

Por sua posição geográfica, o Chile tem uma grande conexão com o Oceano Pacífico. Até os produtores rurais brasileiros torcem pela conclusão de uma rodovia que lhes permitirá acesso mais fácil aos portos chilenos.

Ao longo dos últimos anos, a economia do Chile desenvolveu grandes laços com a economia chinesa. E estão no subsolo do país grandes reservas de dois minerais muito importantes para a transição energética – o cobre e o lítio.

Se vier a ser presidente, Kast deverá se equilibrar entre as já fortes relações com a China e as demandas – estratégicas e políticas – de seu provável novo aliado, Donald Trump. Assim como a China, os Estados Unidos querem acesso privilegiado a minerais estratégicos.

E os Estados Unidos querem recuperar terreno na disputa por influência política na América do Sul. Já estão no poder governos de direita aliados em países como Equador, Paraguai e, principalmente, Argentina. Permanecem fiéis à centro-esquerda neste momento os governos de Brasil, Colômbia e Uruguai.

O resultado do segundo turno das eleições chilenas vai ajudar a definir o cenário político sul-americano para os próximos anos. Ao contrário do que ocorreu ao longo dos anos que se seguiram à redemocratização do país, porém, a polarização parece bem mais intensa.

Kast não vem de uma direita moderna e democrática. E suas propostas indicam uma gestão de linha dura. A principal delas atende pelo nome de “Plano Implacável” e sugere “delinquentes na prisão, sem desculpas”. O candidato pede “mais penas, mais controle e mais respaldo aos Carabineros” – a polícia nacional do Chile.

O momento parece propício à pregação conservadora. A julgar pelas tendências registradas em pesquisas, os chilenos estão mais preocupados com segurança do que com a redução das desigualdades.  Como parece ser uma tendência em vários outros países de uma região marcada pela violência.]

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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