A final da Libertadores reúne, outra vez, dois modos de jogar que não se negam: apenas se confrontam. De um lado, o Palmeiras de Abel Ferreira, sustentado por sua versatilidade estrutural, sua disciplina coletiva e uma ideia de jogo que muda a cada necessidade, sem perder o eixo. Do outro, o Flamengo de Filipe Luís, guiado pela leitura permanente do treinador, pela capacidade de mutação em tempo real e por um modelo que usa laterais, mobilidade e transições como linguagem.
É uma final entre um time programado para reagir rápido às circunstâncias e um time que tenta antecipá-las. Uma final de um projeto consolidado e outro que se reinventa, mas chega ferido: sem Pedro, seu jogador mais decisivo no momento mais decisivo da temporada.
Veja as fotosAbrir em tela cheia Estádio Monumental de Lima, no PeruReprodução/X Final da Libertadores entre Flamengo e Palmeiras faz pacotes para Lima subirem até 70% Gilvan de Souza/Flamengo Time titular do Palmeiras perfilado antes da bola rolar contra a LDU.Cesar Greco/Palmeiras
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A seguir, confira a análise completa: o que cada time é, o que cada time virou e o que cada time pode ser no jogo mais importante do ano.
O Palmeiras: adaptação como sistema, variação como essência
O Palmeiras chega à final com uma ideia conhecida, mas nunca estática. Sua base inicial é o 4-2-3-1 , mas o sistema é apenas o ponto de partida de um modelo que dobra, expande, recua ou avança conforme a leitura de Abel Ferreira e conforme as necessidades da partida.
Durante a construção, a equipe se organiza em 3-2-5, com a linha de três na saída formada por um lateral afundando, liberando amplitude e permitindo ao time progredir pelos lados, com seu corredor de segurança e, ao mesmo tempo, sua avenida de ataque.
Não há mais Dudu. Não há mais Rony. O Palmeiras vive outra era, com outras rotas. Agora, a profundidade nasce de movimentos coordenados, muitas vezes com Vitor Roque atacando costuras e Flaco López buscando diagonais que empurram a defesa rival para trás.
A equipe gosta de progredir pelas laterais, atrair a pressão e acelerar quando recupera a bola. A inversão rápida, quase instantânea, virou uma marca. Quando retoma a posse, o Palmeiras muda de marcha como se alguém tivesse acionado uma chave oculta. Em muitos gols, o que parece caos é, na verdade, uma engrenagem muito bem ensaiada.
Defensivamente, Abel se move entre duas naturezas: a pressão inicial para controlar o início do jogo e o bloco médio que se ajusta conforme o adversário. A marcação por encaixes exige precisão cirúrgica e, justamente por isso, o time sofre quando perde o primeiro duelo.
Nas bolas paradas, porém, quase não sofre: o repertório é vasto, e Gustavo Gómez é a bússola aérea que direciona todo o movimento interno.
Onde o Palmeiras encontra seu próprio ajuste
O Palmeiras chega à decisão não apenas com sua solidez costumeira, mas com uma mudança silenciosa e profunda na maneira como estrutura o meio-campo. Essa mudança tem em Andreas Pereira o símbolo mais claro. Desde a estreia contra o Internacional, ele foi escalado em uma função inédita na era Abel Ferreira e rapidamente se tornou o elo que faltava entre circulação, transição e criatividade.
Andreas foi decisivo nos momentos grandes: comandou o jogo de ida contra o River, participou diretamente dos dois gols na vitória e, diante do Fortaleza, saiu do banco para alterar o rumo do duelo com dois chutes de fora da área que sintetizam sua inteligência espacial.
Abel, que já pedia o jogador há dois anos, remodelou sua estrutura para absorver tudo o que Andreas oferece. O atual 4-4-2 desloca-o para o lado direito, mas não como falso ponta e nem como sucessor direto de Veiga ou Scarpa. Ele atua por dentro, atrás da dupla de atacantes, sempre numa zona que permite ligar setores, acelerar a transição e oferecer linhas de passe antecipadas. É um construtor mais cerebral do que vertical, alguém que cria superioridades não pelo drible, mas pelo gesto interpretativo. E é exatamente isso que muda a maneira como o Palmeiras ataca, inclusive na relação com Flaco López e Roque.
Defensivamente, a presença de Andreas também altera o comportamento coletivo. Em vez de ficar preso ao corredor, ele fecha o centro e permite que Evangelista e Aníbal avancem agressivamente para pressionar a saída rival, algo que se ajusta naturalmente ao modelo de pressão por encaixes do Palmeiras.
Sua leitura posicional fez com que os gols contra o Fortaleza surgissem quase como consequência inevitável: localizado atrás dos atacantes, recebendo entrelinhas, executando o passe ou o chute no tempo certo.
“Só escutei o que o Lucas Evangelista e o Felipe falaram. Vi que a bola sobrou e tentei bater de primeira”, explicou após a vitória. É nesse detalhe, o da decisão instantânea, que é justamente o tipo de recurso que pode influenciar uma final travada em detalhes.
Na prática, o Palmeiras ganha algo raro: um meio-campo que não depende de Veiga como antes, mas que também não recai na amplitude de Scarpa. Com Andreas, o time se torna mais compacto, mais próximo, e mais interligado. Isso importa ainda mais num jogo contra um Flamengo que, mesmo sem Pedro, continuará tentando atrair o Palmeiras para zonas desconfortáveis.
Se a final é um duelo entre elasticidade e engenharia, Andreas representa a peça que permite ao Palmeiras alternar entre as duas coisas: adaptar-se ao caos ou controlá-lo.
O Flamengo de Filipe Luís: o time que enxerga antes
O Flamengo de Filipe Luís chega à final com uma assinatura clara: seu treinador lê o jogo como poucos. Ele começa no 4-2-3-1, mas jamais termina nele. O sistema é mutável, líquido, e se rearranja conforme a pressão rival, o comportamento dos volantes adversários ou a altura da linha defensiva oponente.
Com Pedro, esse modelo encontrava seu ponto de equilíbrio: era a partir dele que o Flamengo criava padrões, atraía marcadores e abria espaços. Era ele a trava, o pivô, a muralha inteligente que transformava bolas longas em ataques curtos. Mas agora o Flamengo perdeu Pedro e, sem ele, perdeu não apenas um goleador, mas uma ideia de jogo.
Sem Pedro, o que muda?
A ausência de Pedro desmonta três estruturas fundamentais do modelo ofensivo construído por Filipe Luís. Sem o centroavante, o Flamengo perde sua principal referência para as ligações diretas, já que Rossi deixa de contar com o jogador capaz de atrair Bruno Fuchs e desorganizar a linha palmeirense.
Arrascaeta também deixa de ter o apoio que lhe oferece o pivô mais inteligente do elenco; ninguém no atual grupo reproduz o gesto técnico, a capacidade de sustentação e a leitura de espaço que Pedro entrega entre as linhas. Além disso, o time perde o atacante que iniciava a pressão, regulava a altura do bloco e servia como primeiro marcador, alterando toda a mecânica defensiva que começava justamente pelo camisa 9.
Diante desse cenário, Filipe Luís se vê diante de duas vias possíveis. A primeira é aproximar o time, reduzir o campo útil e apostar em uma circulação curta e constante, criando densidade por dentro e oferecendo novas rotas para Arrascaeta. A segunda é adotar um ataque mais móvel, rompendo com a lógica do pivô, abrindo mão da fixação na entrelinha e apostando em profundidade, diagonais rápidas e ocupações alternadas da última linha. Cada alternativa altera o desenho da equipe e redefine a forma como o Flamengo vai encarar a defesa palmeirense.
A consequência prática desse novo contexto é imediata: o Flamengo perde o duelo físico direto com Gustavo Gómez e Bruno Fuchs, pois não terá mais quem se imponha no corpo e segure a bola de costas. Em compensação, caso escolha uma formação mais leve e fluida, o time pode ganhar em imprevisibilidade, oferecendo ao Palmeiras uma movimentação menos rastreável, com atacantes entrando de trás, trocando posições e atacando espaços com mais velocidade do que o padrão.
Apesar da perda técnica e estrutural que Pedro representa, o Flamengo não abandona os pilares que sustentam o trabalho de Filipe Luís. A equipe segue fiel à aceleração pelos laterais, à circulação rápida que antecede o passe vertical, aos volantes que conectam zonas e ativam a fase ofensiva, às transições que rompem linhas e à defesa que se compacta como bloco único. A essência permanece; o que muda é o modo como essa essência será executada. E isso, numa final de Libertadores, pode redefinir tudo.
O encontro dos modelos: onde o jogo pode ser decidido
A final não será definida por uma única ideia, mas pela forma como cada modelo reage ao choque direto com o outro. No primeiro eixo dessa disputa, está a ausência das bolas longas que antes encontravam Pedro como ponto de apoio. Foi esse mecanismo que desmontou a defesa palmeirense no 3 a 2 pelo Brasileiro, quando o centroavante funcionou como um “ímã tático”, atraindo marcadores, comprimindo setores e abrindo caminhos para as infiltrações.
Sem ele, o Flamengo perde sua referência para estabilizar a jogada e, ao mesmo tempo, o Palmeiras ganha liberdade: seus volantes já não precisam recuar tanto para vigiar o pivô, o que fortalece a proteção a Gómez e Fuchs e altera profundamente o panorama estrutural da decisão.
O segundo ponto do encontro entre as ideias está na relação entre a pressão por encaixes do Palmeiras e a mobilidade que o Flamengo pode adotar na ausência de um centroavante fixo. Caso Filipe Luís escolha uma formação mais móvel, com atacantes trocando de função e atacando espaços alternados, o Verdão será forçado a tomar uma decisão estratégica: acompanhar individualmente cada deslocamento e correr o risco de ser arrastado para fora de sua estrutura, ou abandonar os encaixes tradicionais para proteger zonas, algo que exige tempo de ajuste e comunicação instantânea.
Outro território decisivo reside nas laterais, onde as duas equipes concentram boa parte de sua capacidade de gerar profundidade. As laterais servem tanto para acelerar o jogo quanto para mexer com a estrutura defensiva do rival. Tanto Palmeiras quanto Flamengo constroem a partir deles, tentam pressionar a partir deles e criam superioridade justamente nesses corredores.
Em uma final tão tensa e cheia de camadas, quem conseguir dominar as bordas do campo, seja controlando a progressão adversária, seja explorando os espaços deixados, terá meio caminho trilhado rumo ao controle do jogo.
Por fim, há o elemento que costuma definir finais sul-americanas: as transições. Palmeiras e Flamengo aceleram instintivamente logo após recuperar a bola, exploram desorganizações momentâneas e tentam transformar cada ruptura em chance de gol. É altamente possível que o lance decisivo da final não venha de uma construção longa ou de um ataque posicional elaborado, mas sim de um erro de saída, de um desencaixe de pressão ou de um duelo individual perdido no meio do campo. Em jogos desse tamanho, o instante em que o relógio pisca diferente costuma decidir campeonatos.
O que está em jogo, para além da tática
Para o Palmeiras, é a chance de consolidar a longevidade de Abel Ferreira como a era mais vitoriosa da história do clube. Para o Flamengo, é a afirmação de um treinador que transformou leitura em método e que chega, em pouco tempo, a uma final com uma proposta clara, mas agora amputada pela ausência de seu jogador mais determinante.
Essa final se trata de uma colisão entre duas formas de pensar o jogo. Da flexibilidade como princípio à leitura como ferramenta. Em um modelo que se adapta e outro que se transforma. E é nesse choque que viverá o campeão da Libertadores que, como em toda grande decisão, conquistará a glória após aproveitar melhor as circunstâncias que se desenharem nos detalhes das nuances desse contexto tão complexo.
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