Sobrevivente: policial baleado por fuzil em helicóptero luta pela vida

Sobrevivente: policial baleado por fuzil em helicóptero luta pela vida

De janeiro a outubro deste ano, 39 policiais foram mortos de maneira violenta no Rio de Janeiro (RJ). Os números, levantados pelo Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp), do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), evidenciam o cenário de fogo cruzado em que agentes das forças de segurança atuam dia após dia.

Para além dos que morrem, há aqueles que, feridos, precisam lidar com uma reviravolta que transforma suas vidas para sempre. É o caso do policial piloto Felipe Marques Monteiro, atingido por um tiro de fuzil na testa em 20 de março deste ano. Ele segue internado há 230 dias.

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Em entrevista exclusiva à coluna, Keidna Marques, esposa de Felipe, relatou a trajetória de resistência do marido desde o dia em que a bala cruzou seu caminho.

O disparo

Na noite anterior à operação, Felipe não havia dormido em casa. Ele passou a noite em uma base da polícia, onde, segundo Keidna, é de praxe que os investigadores se reúnam nas vésperas de uma ação.

Aquela ofensiva tinha como objetivo desarticular uma quadrilha especializada em roubar vans e desmanchar os veículos para vender as peças.

Na manhã de 20 de março, um dia aparentemente normal, Keidna ligou a televisão enquanto se arrumava para ir ao trabalho e viu que a missão em que o marido atuava era noticiada, sem informações que despertassem qualquer preocupação.

Sempre que uma operação era concluída, Felipe costumava enviar uma mensagem avisando à esposa que havia pousado a aeronave. Naquele dia, porém, o aviso não chegou. Ele foi atingido por um disparo de fuzil na testa e precisou ser levado às pressas ao hospital.

“A gente sempre conversou sobre riscos, e as operações eram uma das minhas maiores preocupações, mas não no sentido dele tomar um tiro. Eu nunca pensei que isso poderia acontecer. Eu temia que a aeronave fosse abatida e não houvesse sobreviventes, mas essa situação, como ocorreu, nunca passou pela minha cabeça”, relatou Keidna.

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Felipe foi baleado em 20 de março

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Ele teve de passar por cirurgias e transfusões de sangue

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O policial tem se recuperado bem

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A luta pela vida

A partir dali, começou uma corrida contra o tempo para salvar Felipe. Keidna conta que, após receber a notícia, dirigiu-se ao hospital sem acreditar no que havia acontecido.

“Quando eu cheguei ao hospital, eu só queria falar com quem estava com ele no momento em que tudo ocorreu, no caso, o outro piloto. Ele apareceu com uma luva de látex, dentro da qual estava a aliança de Felipe, toda ensanguentada. Para mim, aquele foi um dos piores momentos”, lembrou.

Antes de perfurar a testa do policial, a bala colidiu com a aeronave e perdeu velocidade, acabando por ficar alojada em sua cabeça. O disparo provocou a destruição de aproximadamente 40% do crânio de Felipe.

Ao longo desses 230 dias, o policial foi submetido a cirurgias e recebeu diversas transfusões de sangue. As campanhas foram, inclusive, repercutidas pela coluna.

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Ele teve 40% do cérebro retirado na cirurgia

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Keidna Marques esposa do policial Felipe Monteiro Marques baleado em março no Rio

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Em entrevista, ela afirma que o esposo é um milagre

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Keidna Marques esposa do policial Felipe Monteiro Marques baleado em março no Rio

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Felipe está internado há 230 dias

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Keidna mostrou o molde da prótese customizada para Felipe

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A bala continua alojada na testa do policial

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A esposa parou a vida profissional para acompanhar o tratamento do esposo

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Keidna comemorou as melhoras apresentadas pelo esposo

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Segundo a esposa, os avanços surpreendem a equipe médica

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Keidna Marques esposa do policial Felipe Monteiro Marques baleado em março no Rio

Ocorre que, durante o processo, Felipe foi acometido por infecções graves, o que impediu que ele pudesse passar pelo principal procedimento o quanto antes: uma cranioplastia — cirurgia de reconstrução do crânio.

Além disso, a família teve de lidar com o empecilho de o plano de saúde resistir à cobertura da cirurgia e da colocação de placa de titânio customizada.

O recomeço

No dia 16 de setembro, após Felipe apresentar melhora inimaginável e estar livre de todas as infecções, o procedimento foi feito e a prótese, finalmente, colocada.

Keidna contou que, desde então, o policial tem surpreendido a equipe médica e os familiares dia após dia. Tem apresentado reação a estímulos e realizado movimentos com braços e pernas.

Recentemente, chegou a erguer um terço e dizer “amém”. “Quando a gente espera que ele mexa o dedo, ele mexe a mão. Quando a gente espera que o Felipe fale as vogais,  ele fala um ‘amém’. A fisioterapeuta me falou que perguntou a ele qual é o meu nome e ele disse. Então, ele tem se recuperado de uma forma surpreendente”, comemorou.

A expectativa é que o policial deixe o Centro de Terapia Intensiva (CTI) nos próximos 15 dias e seja transferido para um quarto. “Eu quero que o Felipe seja acompanhado no Hospital Sarah, em Brasília. “Eu vou pedir ajuda, vou ver quem vai poder me ajudar, eu preciso levar ele para lá. Depois que receber alta do quarto, ele será encaminhado para um hospital de transição, onde começará o trabalho de recuperação. Em seguida, já quero levar ele para Brasília”, planejou.

O sangue que abre portas no CV

O caso de Felipe não é isolado. O policial piloto é a personificação do risco constante enfrentado pelos policiais no Rio de Janeiro.

Investigações da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro (PCERJ), que vieram à tona após a megaoperação, revelam que o sangue de policiais virou moeda de ingresso no Comando Vermelho (CV). O ritual ocorre principalmente entre criminosos de outros estados que buscam ingressar na facção dentro das comunidades fluminenses.

Antagonistas das forças de segurança, os faccionados recebem treinamento voltado exclusivamente a ataques contra agentes. Juan Breno Malta Ramos Rodrigues, conhecido como BMW, é apontado como instrutor de atiradores e executores da facção.

As apurações indicam que BMW lidera a militarização do crime no Rio, sendo responsável por preparar novos integrantes para confrontos diretos com as forças de segurança. Os treinamentos acontecem em áreas de mata e pedreiras do complexo da Penha, território onde a megaoperação Contenção foi deflagrada em 28 de outubro.

As investigações apontam que a formação envolve o manejo de fuzis e armas de guerra, simulações de ataque e fuga em áreas de mata, disciplina interna severa e execuções de rivais ou de membros punidos pela facção.

Ele também é identificado como um dos comandantes do Grupo Sombra — a célula encarregada de realizar punições e assassinatos sob ordem da cúpula do CV, incluindo a realização de “tribunais do crime”.

No entanto, ele não é o único a formar sanguinários do CV. De acordo com a Polícia Federal (PF), Rian Maurício Tavares Mota, ex-militar da Marinha do Brasil, é considerado um “engenheiro militar” da facção.

Segundo a PF, ele, que está atualmente preso, usou seus conhecimentos técnicos para transformar equipamentos de espionagem em armas de ataque aéreo.

Interceptações telefônicas mostram que Mota repassava orientações detalhadas a integrantes da cúpula do CV, incluindo Edgar Alves de Andrade, o Doca, principal alvo da megaoperação no Rio de Janeiro — ainda foragido.

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