Como surgiu o direito às férias no Brasil há 100 anos — e por que empresários diziam que isso quebraria o país

Manifestação de trabalhadores no Rio de Janeiro em 1961 — Foto: Arquivo Nacional via BBC

Há exatamente 100 anos, na véspera do Natal de 1925, o Brasil deu um passo histórico na legislação trabalhista. No dia 24 de dezembro daquele ano, o então presidente Arthur Bernardes assinou o decreto que garantia, pela primeira vez, o direito ao descanso anual remunerado aos trabalhadores brasileiros.

A chamada Lei de Férias foi o primeiro dispositivo legal do país a reconhecer esse direito, ainda que de forma limitada: apenas 15 dias de descanso e restrito a trabalhadores dos setores comercial, industrial e bancário, sem prejuízo do salário.

Apesar de a regulamentação completa levar quase um ano para sair, a medida foi celebrada à época como um verdadeiro “presente de Natal” aos trabalhadores. Entidades sindicais comemoraram a conquista como resultado de uma luta que já durava mais de 15 anos.

No início do século 20, os direitos trabalhistas no Brasil eram praticamente inexistentes. Jornadas de trabalho de 10 a 12 horas por dia eram comuns, não havia proteção social nem garantias em casos de doença ou desemprego. O único descanso regular era o domingo.

A imprensa da época já alertava que o trabalho contínuo, sem pausas, prejudicava a saúde dos trabalhadores e, consequentemente, a produtividade. Alguns jornais defendiam que o descanso anual beneficiaria inclusive os patrões, ao permitir que os empregados retornassem mais dispostos e eficientes.

Mesmo sem uma lei nacional, algumas categorias já tinham direito às férias por meio de acordos sindicais, como professores, militares, servidores públicos e funcionários do Judiciário.

A reivindicação por férias fazia parte das pautas sindicais desde pelo menos a década de 1910. Em 1917, por exemplo, uma greve geral em São Paulo levou quase 50 mil trabalhadores às ruas, e o descanso remunerado estava entre as exigências.

O movimento brasileiro acompanhava um cenário internacional mais amplo. Em 1919, após a Primeira Guerra Mundial, o Tratado de Versalhes criou a Organização Internacional do Trabalho (OIT), com o objetivo de estabelecer regras mínimas de proteção aos trabalhadores em todo o mundo.

Debate político e medo da revolução

Deputado Henrique Dodsworth, autor do projeto de lei — Foto: Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro/ Domínio Público

O projeto da Lei de Férias foi apresentado pelo deputado Henrique Dodsworth, inicialmente voltado apenas aos trabalhadores do comércio, mas acabou sendo ampliado para todo o trabalhador urbano durante os debates no Congresso.

Naquele período, o Brasil vivia um momento de urbanização acelerada, crescimento do trabalho assalariado e aumento dos conflitos sociais. Segundo especialistas, o reconhecimento de alguns direitos sociais fazia parte de uma estratégia do Estado para conter tensões e evitar soluções consideradas radicais, como o comunismo ou o fascismo.

Alguns parlamentares admitiam abertamente que conceder direitos trabalhistas era uma forma de evitar revoltas sociais. A ideia era incorporar parte das demandas populares sem alterar profundamente o sistema econômico.

Reação dos empresários

Entre os empresários, a nova lei gerou forte resistência. Muitos afirmavam que pagar salário durante um período sem trabalho levaria empresas à falência e “quebraria o país”.

Outro efeito prático foi a demissão de trabalhadores antes de completarem 12 meses de emprego, já que a lei só garantia o direito às férias após esse período.

Além disso, a falta de fiscalização fez com que a maioria das empresas simplesmente ignorasse a lei. Não havia um órgão responsável por garantir o cumprimento da norma, o que limitou bastante seus efeitos reais.

Historiadores apontam que os argumentos contrários às férias incluíam desde prejuízos econômicos até alegações de que trabalhadores braçais não saberiam o que fazer com 15 dias livres ou não teriam disciplina fora do ambiente de trabalho.

Getúlio Vargas em SP em 1954 — Foto: Arquivo Nacional via BBC

Apesar das limitações, a Lei de Férias de 1925 é considerada um marco fundador da legislação trabalhista brasileira. Ela abriu caminho para avanços posteriores, que só se consolidariam a partir da década de 1930.

Com Getúlio Vargas, vieram mudanças mais profundas: a criação do Ministério do Trabalho em 1932, da Justiça do Trabalho em 1941 e, em 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que organizou e ampliou os direitos dos trabalhadores urbanos.

Com o passar dos anos, o direito às férias foi sendo fortalecido:

  • 1949: o período de descanso passou de 15 para 20 dias;

  • 1977: as férias passaram a ter duração de 30 dias;

  • 1988: a Constituição garantiu o adicional de um terço do salário durante as férias.

Para especialistas, o discurso empresarial de que a ampliação de direitos trabalhistas “quebraria o país” se repete até hoje, sempre que há tentativas de fortalecer a proteção aos trabalhadores.

Mesmo com falhas na aplicação prática, a lei de 1925 permanece como símbolo de que os direitos trabalhistas no Brasil não surgiram espontaneamente, mas foram resultado de pressão social, disputas políticas e longas lutas históricas.

Informações via g1.
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