Do solstício de inverno ao nascimento de Jesus: como surgiu a data do Natal

Foto: Bruno Todeschini / Agencia RBS

Celebrado em 25 de dezembro, o Natal é hoje uma das datas mais populares e simbólicas do mundo. No entanto, a origem da festa vai muito além do nascimento de Jesus Cristo. A data reúne tradições religiosas, observações da natureza e costumes culturais que atravessam milhares de anos e diferentes civilizações.

O que atualmente representa união familiar, troca de presentes e celebração da fé cristã nasceu da combinação entre antigas festas do solstício de inverno, rituais pagãos do Império Romano e a consolidação do cristianismo como religião oficial.

Antes do cristianismo: a força do solstício de inverno

Muito antes de existir qualquer referência ao nascimento de Jesus, povos da Antiguidade já celebravam o solstício de inverno, fenômeno que marca o dia mais curto do ano no hemisfério norte e o início do retorno gradual da luz solar.

Para sociedades dependentes da agricultura, esse período simbolizava renovação, esperança e sobrevivência. Com conhecimento científico limitado, essas civilizações interpretavam o aumento dos dias como o “renascimento do sol”, essencial para as colheitas futuras e para a continuidade da vida.

Por isso, a história do Natal começa ligada à observação da natureza e aos ciclos solares.

Rituais antigos e festas de renovação

O solstício de inverno ocupava papel central nos calendários religiosos da Antiguidade. Segundo historiadores como Mary Beard e John North, autores da obra Religions of Rome, o período era marcado por festas que duravam vários dias, com banquetes, reuniões familiares e troca de presentes.

Entre essas celebrações estava o culto a Mitra, divindade de origem persa associada à luz, à sabedoria e à vitória do bem sobre o mal. Mitra era frequentemente identificado com o próprio sol, visto como a força que vence as trevas.

Na Roma Antiga, outra festa importante era a Saturnália, dedicada ao deus Saturno, ligado à agricultura. Celebrada em dezembro, a Saturnália suspendia regras sociais, promovia festas públicas e incentivava a troca de presentes — costumes que ainda hoje lembram o Natal moderno.

Com o tempo, essas tradições se misturaram. No século 3, o imperador Aureliano instituiu oficialmente a festa do Sol Invictus, o “Sol Invencível”, celebrada em 25 de dezembro.

A data tinha grande apelo entre os soldados romanos e simbolizava força, renascimento e invencibilidade — valores importantes para um império em expansão. A escolha do dia reforçava a ideia de que o sol, mesmo após o período mais escuro do ano, sempre retornava mais forte.

O nascimento de Jesus e a escolha do dia 25

Foto: Reprodução

Embora o Natal cristão celebre o nascimento de Jesus, não há registros históricos que indiquem a data exata desse evento. Especialistas afirmam que nem mesmo o ano é conhecido com precisão.

“O que sabemos é que os evangelhos foram escritos décadas depois e não tinham como objetivo registrar datas históricas”, explica o historiador André Leonardo Chevitarese. Segundo ele, quando as primeiras comunidades cristãs tentaram definir essas informações, elas já haviam se perdido.

Com a expansão do cristianismo e sua oficialização no Império Romano, surgiu a necessidade de estabelecer datas litúrgicas. A associação simbólica entre Jesus e a luz facilitou a sobreposição do nascimento de Cristo à antiga celebração do Sol Invictus.

No século 4, durante o papado de Júlio I, o Natal foi oficialmente fixado em 25 de dezembro. A estratégia da Igreja era clara: substituir festas pagãs já enraizadas por celebrações cristãs, tornando a nova religião mais acessível à população.

Para o sociólogo Francisco Borba Ribeiro Neto, essa adaptação foi fundamental para a consolidação do cristianismo. Ressignificar costumes conhecidos era mais eficaz do que tentar eliminá-los.

O filósofo e teólogo Fernando Altemeyer Junior destaca que celebrar o nascimento de Jesus nesse período fazia sentido dentro de uma lógica agrícola e simbólica já familiar. “Semear e colher era o ritmo da vida”, afirma. A própria palavra “natal”, ligada à ideia de nascimento, reforça essa conexão com os ciclos naturais.

Quando, afinal, nasceu Jesus?

A data real do nascimento de Jesus permanece um mistério. Muitos historiadores acreditam que ele tenha nascido entre os anos 6 e 4 antes da Era Comum, durante o governo de Herodes, o Grande.

Segundo Chevitarese, os relatos bíblicos têm caráter teológico, não cronológico. O objetivo era apresentar Jesus como uma figura divina desde o nascimento, e não registrar um fato histórico com precisão de data.

Ao longo dos séculos, o Natal continuou a se transformar. Elementos de diferentes culturas foram incorporados à celebração, como costumes europeus, tradições judaicas, festivais celtas e até o folclore popular.

A figura do Papai Noel, por exemplo, tem origem em São Nicolau, um bispo que viveu no século 3, na região da atual Turquia, conhecido por ajudar os pobres e distribuir presentes. A imagem moderna do “bom velhinho”, com barba branca e roupa vermelha, surgiu apenas no século 19 e foi consolidada no século 20, especialmente por campanhas publicitárias.

Com o avanço do consumo e do marketing, o ato de presentear ganhou grande destaque, muitas vezes ofuscando o significado religioso da data. Ainda assim, o Natal segue sendo um momento de confraternização, reflexão e esperança.

Um símbolo que atravessa o tempo

Hoje, o Natal reúne múltiplos significados. Para os cristãos, marca o nascimento de Jesus Cristo. Para outras pessoas e culturas, representa união, solidariedade e renovação.

A história do Natal mostra como a celebração foi construída ao longo de milhares de anos, unindo o solstício de inverno, o simbolismo do Sol Invictus e a fé cristã em uma tradição capaz de atravessar religiões, culturas e épocas — sempre associada à luz, à esperança e ao recomeço.

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