A Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc) aprovou, nesta quarta-feira (10), o projeto que acaba com as cotas raciais nas universidades estaduais e em instituições de ensino que recebem recursos do governo. A medida, proposta pelo deputado Alex Brasil (PL), teve sete votos contrários e segue agora para sanção do governador Jorginho Mello (PL).
Desde antes da votação, a iniciativa já era alvo de críticas de instituições de ensino, especialistas e órgãos públicos, que apontam possível inconstitucionalidade e risco de retrocesso social.
Entidades contestam proposta
O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) informou que vai abrir um procedimento para analisar se o projeto viola a Constituição. A investigação será conduzida pela 40ª Promotoria de Justiça da Capital, integrante do Observatório para Enfrentamento ao Racismo. O órgão deve consultar o Centro de Apoio Operacional do Controle de Constitucionalidade (CECCON) antes de emitir parecer.
A Defensoria Pública do Estado também se manifestou, classificando o tema como “sensível” e ressaltando que políticas afirmativas são mecanismos previstos na Constituição para reduzir desigualdades. A instituição afirmou que continuará acompanhando o processo até a decisão final do governador.
O texto aprovado proíbe qualquer tipo de reserva de vagas baseada em critérios raciais. Continuam permitidas apenas cotas para:
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Pessoas com deficiência
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Estudantes de escolas públicas
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Candidatos enquadrados em critérios econômicos
Universidades que descumprirem a lei poderão ser multadas em R$ 100 mil por edital e perder verbas públicas. A norma afeta instituições como a Udesc, faculdades privadas que recebem bolsas dos programas Universidade Gratuita e Fumdesc e unidades do sistema Acafe. Universidades federais, como a UFSC, não serão impactadas.
Reações das instituições de ensino
A Udesc divulgou nota demonstrando “profunda preocupação e discordância” com a aprovação. A instituição afirmou que estuda os impactos da medida e reforçou que ações afirmativas são respaldadas por decisões do Supremo Tribunal Federal, que já declarou a constitucionalidade das cotas raciais.
Entidades como a UFSC, IFC, IFSC e UFFS também repudiaram a proposta. Segundo elas, a retirada das cotas pode ampliar desigualdades e dificultar o acesso de grupos historicamente excluídos ao ensino superior. As instituições afirmam que a sanção do projeto representaria um “retrocesso inaceitável”.
Posições de parlamentares
O deputado Fabiano da Luz (PT) criticou o projeto e afirmou que a aprovação “envergonha Santa Catarina”. Ele antecipou que a proposta deve ser alvo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), por ferir princípios constitucionais, representando retrocesso social.
A deputada Paulinha (Podemos) também se posicionou contra, destacando que a população negra segue vivendo desigualdades estruturais. A parlamentar pediu que os colegas deixassem disputas ideológicas de lado.
“Se ignorarmos o acesso à universidade, eles nunca estarão aqui”, disse.
Já o autor da proposta, Alex Brasil (PL), defendeu o fim das cotas raciais argumentando que as universidades estariam “deturpando” o sistema de cotas, ao incluir grupos diversos como refugiados e ex-presidiários. Para ele, as vagas devem priorizar quem tem necessidade econômica.
“Se a pessoa tem precariedade social e econômica, ela precisa ser atendida pelo Estado”, afirmou.
Depoimentos
A estudante Jamille Lima, cotista da UFSC, relatou que só conseguiu chegar ao doutorado graças às ações afirmativas. Ela contou que seus pais não sabem ler e que o ingresso na universidade transformou a trajetória da família.
“Foi a virada da nossa história”, destacou.
O advogado constitucionalista Rodrigo Wöhlke afirmou que as ações afirmativas são amparadas pela busca de igualdade material prevista na Constituição. Ele lembrou que a lei de cotas foi revisada em 2022/2023 e prorrogada por mais 10 anos, já que os dados mostraram que, embora eficaz, ainda é insuficiente para eliminar desigualdades.
A vice-reitora da UFSC, Joana Célia dos Passos, ressaltou que as universidades devem refletir a diversidade da sociedade.
“O que transforma a universidade é permitir que quem serve o café também possa estar nas salas estudando”, disse.