Natal Radical de R$ 7,5 milhões em SP tem preços acima do mercado

Natal Radical de R$ 7,5 milhões em SP tem preços acima do mercado

Opção de entretenimento gratuito em São Paulo em época de férias escolares, o “Natal Radical” da prefeitura de São Paulo tem preços consideravelmente acima do mercado. Bancado por um convênio de R$ 7,5 milhões entre a Secretaria Municipal de Turismo e a ONG Associação Brasileira de Esportes de Ação (ABEA), por exemplo paga R$ 43 mil/dia pelo aluguel de um bungee jump que atende no máximo 120 pessoas e R$ 40 mil/dia pelo aluguel de um modesto cenário de fotos com o Papai Noel.

O Natal Radical começou há 20 dias e termina neste domingo (29/12) no Modelódromo, um equipamento esportivo no Ibirapuera que tem como vocação ser local de prática de esportes de modelismo. O evento conta com três pistas de patinação, a maior delas com 200m², uma tenda com uma “surfe machine” (semelhante a um touro mecânico, mas com uma prancha no lugar do bicho), uma atração que mistura uma parede de escalada com um escorregador, uma tirolesa, um circuito de arborismo de 40m e um bungee jump içado por um guindaste.

Em nota que pode ser lida na íntegra ao final desta reportagem, a prefeitura chama os apontamentos da coluna de “ilações irresponsáveis sem qualquer comprovação” e justifica os valores afirmando que as contratações não se restringem à locação de equipamento e abrangem a prestação de serviços, o que a empresa que loca boa parte dos equipamentos nega — alega que o valor orçado diz respeito somente à locação.

A planilha abaixo mostra que os valores tratados nessa reportagem dizem respeito somente à “locação de estrutura do evento”, vide a coluna “natureza de despesa”.

 

O que é o Natal Radical?

O evento foi desenhado pela prefeitura, que escolheu as atrações e lançou chamamento público em agosto para definir a entidade do terceiro setor contratada para executá-lo. Assim como em 2024, a ABEA foi a única a apresentar proposta, de R$ 7,5 milhões. As demais duas participantes foram eliminadas por não apresentarem nenhum documento, o que pode ser entendido como indício de participação simulada.

Para executar o projeto, a ABEA precisa subcontratar empresas e só a Strepolia Eventos, que tem os exatos equipamentos demandados no chamamento público, apresentou um orçamento de R$ 3,7 milhões. A empresa pertence a Flávia Paschoal, que assinou o plano de trabalho em branco apresentado pelo Instituto Caleidoscópio, uma das entidades que não levou documentos para a concorrência.

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Locação de Pista de patinação tradicional Quad custa R$ 32 mil por dia

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Locação da pista de patinação no gelo custa R$ 43,9 mil por dia

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Locação de Parede de Aplinismo com Slider e Rapel temática custa R$ 42,5 mil por dia

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Locação de Parede de Aplinismo com Slider e Rapel temática custa R$ 42,5 mil por dia

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Locação de “Arena Jungle de Natal” custa R4 37,1 mil por dia

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Locação de Surf Machine custa R4 6,8 mil por dia

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Locação de Arena de Hover Board temática custa R$ 36 mil por dia

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Vista da pista de patinação no gelo

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“O plano foi entregue com o que eu sabia. E os documentos seriam necessárias caso ganhasse o projeto”, explicou Flávia à coluna. Questionada se o fato de ela não ter levado a documentação seria um indício de que ela já contava que perderia a concorrência, negou. “Se contasse não entraria. Mas não consegui”. O plano de trabalho dela só tinha um item preenchido: o preço final.

A outra entidade participante foi a Associação Paulista de Esportes, Cultura e Educação (APECE), que também apresentou plano de trabalho em branco, apesar de conhecer bem o serviço. Em 2012, realizou no mesmo local o “Natal no Gelo”, com diversos objetos de decoração reutilizados agora pela ABEA. Acabou condenada pelo Tribunal de Contas do Município por “ausência de justificativa dos quantitativos previstos na planilha de custos, de cláusulas que permitam a contratação direta por inexigibilidade e falta de justificativa dos preços e clareza dos termos contratuais em relação às condições para execução do contrato”.

Indícios de superfaturamento

O plano de trabalho aprovado prevê R$ 878 mil pelo aluguel de uma pista de patinação no gelo de aproximadamente 200m², incluindo o fornecimento de patins e equipamentos de proteção. O valor é mais do que o dobro dos R$ 419 mil pagos pela prefeitura de Formosa (GO) por uma pista de 300 m² e 30 dias de funcionamento também mês, incluindo a prestação de serviço. Em Joinville (SC), no ano passado, uma pista de 200m² custou R$ 380 mil. Os dados são do Portal Nacional de Contratações Públicas.

Mas nem é preciso ir tão longe. Pelo mesmo chamamento, a prefeitura de São Paulo também contratou a decoração do centro da cidade, que inclui uma pista de gelo também de 200m², com características semelhantes de decoração e serviço. No centro, a pista custa R$ 19 mil por dia, quase 1/3 do preço pago no Ibirapuera.

Pelo Bungee Jump, a ABEA recebeu R$ 866 mil, considerando uma diária de R$ 43 mil. O valor é expressivamente mais alto do que de contratações similares disponíveis no mesmo Portal, que variam de R$ 13 mil a R$ 24 mil para eventos de um dia — por regra de mercado, locações mais longas têm diárias menores, porque o custo de contratação, montagem e desmontagem é diluído. Como há limite de 120 saltos por dia, a prefeitura está pagando R$ 358 por cidadão beneficiado.

Também é facilmente comparável o preço de uma “surfe machine”, equipamento disponibilizado por diversas empresas de locação de brinquedos infantis. A prefeitura está pagando R$ 6,9 mil por dia pela máquina, enquanto o valor de mercado é de cerca de R$ 3 mil por dia — a coluna teve acesso a uma nota fiscal de R$ 16 mil por um evento de cinco dias no Rio de Janeiro.

Já as duas pistas de “patinação” — estruturas cobertas de 100m², com piso repleto de saliências, uma delas com locação gratuita de patins, outra de hover board, uma espécie de skate elétrico — custaram, juntas, R$ 1,4 milhões à prefeitura de São Paulo. O edital não estipulava nem um tamanho nem número de atendimento mínimos. Como as pistas são acanhadas, não recebem mais do que 10 pessoas simultaneamente.

À coluna, Diogo Gomes, presidente e uma das únicas três pessoas a participar da assembleia da ABEA, justificou os valores: “Nosso projeto ele é apresentado para a secretaria e tem três orçamentos conforme determina o edital”, disse, brevemente. Questionado sobre valores mais baixos praticados em outras cidades, reforçou: “A gente faz o que o edital exige, que é três orçamentos. E o menor é esse.”

Empresas contratadas não emitem nota fiscal

Na segunda-feira (22/12), quando a coluna esteve no Modelódromo, as filas para participar das atividades eram grandes, debaixo de chuva. Ainda que isso não seja previsto no plano de trabalho, a ABEA exigia credenciamento e retirada de pulseira para todos os participantes. Quem desviava da fila de meia hora na chuva e entrava direto no Modelódromo era avisado que, sem a pulseira, não poderia nem tirar foto com o Papai Noel.

O bom velhinho, acompanhado de duas ajudantes, fica num espaço chamado, no plano de trabalho, de “Arena Lúdica Oficinas Natal com Papai Noel”. O leitor pode ver o cenário no álbum abaixo. Ele custou R$ 818 mil (mais de R$ 40 mil por dia) à prefeitura de São Paulo.

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Arena do Papai Noel que custou R$ 818 mil à prefeitura só pela locação

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Arena do Papai Noel que custou R$ 818 mil à prefeitura só pela locação

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Arena do Papai Noel que custou R$ 818 mil à prefeitura só pela locação

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Arena do Papai Noel que custou R$ 818 mil à prefeitura só pela locação

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Arena do Papai Noel que custou R$ 818 mil à prefeitura só pela locação

De acordo com o órgão municipal, o custo envolve “a realização de atividades recreativas diversas, como maquiagem artística, oficinas de cartinhas, gincanas, desenho, paradas natalinas, cenários temáticos para fotografias, presença de Papai Noel para interação com o público, paradas lúdicas com personagens, malabaristas e artistas de perna de pau”.

A gestora técnica do Natal Radical, em conversa com a reportagem no local, porém, afirmou que as únicas oficinas organizadas naquela tenda haviam sido de pintura facial, aos finais de semana, e de “cartinhas” para o Papai Noel. A informação foi reforçada por três mulheres que trabalham nas barracas da frente. Quando a reportagem visitou a instalação, a “oficina de cartinhas” consistia em três mesas com papeis e canetas espalhadas, sem qualquer funcionário para ajudar as crianças.

No ano passado, quando a “Arena Lúdica Oficinas Natal com Papai Noel” custou R$ 37,5 mil por dia, a contratação não envolveu a prestação de qualquer serviço. Tanto é que a prefeitura aceitou, na prestação de contas, que o pagamento da ABEA à dona do equipamento, à Strepolia, acontecesse sem emissão de nota fiscal, o que só é possível quando a locação não envolve prestação de serviços.

A própria Strepolia, que no ano passado recebeu R$ 2 milhões sem nota fiscal, disse à reportagem que está sendo contratada somente para locar bens móveis, não para prestar serviços. É ela quem apresentou orçamento de R$ 818 mil pela arena lúdica do Papai Noel deste ano, sem serviços. “A Strepolia fez a locação dos equipamentos…conforme apresentado”.

Assim como no ano passado, o plano de trabalho não prevê a contratação de pessoas para trabalhar no evento (exceto limpeza e segurança), ainda que houvesse dezenas de pessoas trabalhando lá quando a reportagem visitou o Natal Radical. A ABEA não respondeu de onde sai o dinheiro para pagá-las.

Confira o que diz a prefeitura:

“A Secretaria Municipal de Turismo informa que as suspeitas apontadas pelo site Metrópoles de “indícios de superfaturamento” no evento Natal Radical não passam de ilações irresponsáveis sem qualquer comprovação. A contratação da Organização da Sociedade Civil (OSCs) para a execução do evento natalino foi realizada por meio do Chamamento Público nº 002/2025 – SMTUR, e o fornecimento de cada serviço/atividade prestado por ela foi autorizado após a apresentação de pesquisa mercadológica com três orçamentos para cada item previsto e a escolha do menor valor orçado, em estrita observância ao princípio da economicidade que rege a Administração Pública. 

1. Surf Machine
Com a ampliação da programação do Natal Iluminado 2025, foi necessário um aditamento ao Termo de Fomento nº 002/2025-SMTUR para contemplar o acréscimo de datas do projeto Natal Radical. Entretanto, apesar de um período mais longo de evento, a entidade parceira, após negociações com fornecedores, conseguiu manter o valor inicialmente contratado. Das propostas comerciais apresentadas para cada item, foi selecionada a de menor valor. A comparação feita pela reportagem com outro evento é indevida uma vez que o valor contratado não se restringe à locação do equipamento Surf Machine, abrangendo a prestação de serviços e ainda o fornecimentos de itens específicos para o Natal: decoração temática natalina; inflável temático confeccionado em lona antichamas; nivelamento de piso; cenografia; tenda de cobertura para garantia da continuidade da operação em condições climáticas adversas; entre outros.

2. Bungee Jump
A entidade parceira igualmente apresentou três propostas comerciais, sendo contratada a de menor valor. Mais uma vez o custo informado refere-se à contratação de estrutura completa, não se limitando à simples locação do equipamento. O serviço contratado inclui guindaste específico para a operação da atividade, com toda a documentação técnica exigida. Destaca-se, ainda, que a empresa contratada é especializada na operação de Bungee Jump, contando, inclusive, com profissional que participou da elaboração das normas de segurança da modalidade.

3. Oficina do Papai Noel
A reportagem erra ao afirmar que esse serviço resume-se a “uma mesa com papel e canetas bic”. A Oficina do Papai Noel contratada contempla a realização de atividades recreativas diversas, como maquiagem artística, oficinas de cartinhas, gincanas, desenho, paradas natalinas, cenários temáticos para fotografias, presença de Papai Noel para interação com o público, além de decorações natalinas. Inclui, ainda, paradas lúdicas com personagens, malabaristas e artistas de perna de pau, ampliando o caráter cultural e recreativo da programação.

4. Pista de Patinação
O entendimento da reportagem também é equivocado quanto a este item. A Pasta esclarece que o dimensionamento da pista não impacta no valor contratado, uma vez que o maquinário utilizado é o mesmo, independentemente da metragem. A pista foi instalada de acordo com o espaço disponível em ponto estratégico no Modelódromo, local de grande circulação e já consolidado como referência em razão da Árvore de Natal do Ibirapuera. A contratação inclui sistema especial de refrigeração a ar, que reduz o consumo de água e atende a critérios de sustentabilidade ambiental, bem como nivelamento de piso, tenda de cobertura, patins com lâminas adequadas, materiais de segurança, insumos descartáveis (propé e desinfetantes), decoração natalina e comunicação visual, caracterizando-se como locação diferenciada e completa.

5. Capacidade Técnica e Regularidade das Empresas Contratadas
As empresas contratadas pela entidade parceira foram previamente avaliadas quanto à capacidade técnica e operacional, sendo todas especializadas nas atividades propostas e com experiência comprovada em eventos de grande porte. Ademais, encontram-se em situação regular perante os órgãos competentes, possuindo as certidões exigidas, tais como CADIN Municipal e Certidão de Empresa Idônea emitida pelo Tribunal de Contas da União, além de histórico de prestações de contas anteriormente aprovadas pelos órgãos de controle.”

A reportagem também perguntou se os serviços citados na resposta acima demandam nota fiscal. A resposta foi a seguinte:

“A Secretaria Municipal de Turismo de São Paulo informa que a entidade parceira é uma organização sem fins lucrativos e que o processo de prestação de contas seguirá rigorosamente o previsto no item 4.3 da Cláusula Quarta do Termo de Fomento. Nos casos de prestação de serviço, a entidade terá que apresentar notas fiscais, faturas ou recibos para comprovação da respectiva despesa na entrega da Prestação de Contas. A Secretaria da Fazenda ressalta que nos casos de locação de equipamentos a emissão de Nota Fiscal de Serviço Eletrônica (NFS-e) não é necessária já que não há incidência desse imposto.”

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