Pesquisadores brasileiros confirmaram uma descoberta histórica na Serra do Divisor, no Acre: uma nova espécie de inhambu, encontrada apenas no topo da serra, entre 300 e 500 metros de altitude. O animal recebeu o nome popular de sururina-da-serra (Slaty-masked Tinamou) e vive em um ambiente extremamente isolado.
A identificação só foi possível depois de anos reunindo pistas. A primeira gravação do canto da ave surgiu em 2021, feita pelos ornitólogos Fernando Igor de Godoy e Ricardo Plácido, que perceberam que aquele som não correspondia a nenhuma espécie conhecida. Já Luís Morais, principal autor do estudo, foi o primeiro a fotografá-la.
O momento da descoberta
Godoy conta que tudo começou quando ele esteve na região para ilustrar um guia sobre a Serra do Divisor. Durante uma caminhada rápida no fim da tarde, ouviu o canto diferente e reconheceu imediatamente que se tratava de algo novo.
Ele gravou o som e enviou para vários pesquisadores, insistindo que havia encontrado uma espécie ainda não descrita. A confirmação científica veio somente após expedições entre novembro de 2024 e julho de 2025, quando a equipe conseguiu registrar, observar e documentar a ave de perto.
Ave mansa e vulnerável
A sururina-da-serra apresenta comportamento dócil e praticamente não reage à presença humana. Segundo os pesquisadores, isso acontece porque quase não existem mamíferos predadores no topo da serra — como onças e gatos-do-mato. Sem ameaças naturais, a ave nunca precisou desenvolver medo.
Esse comportamento chamou a atenção e fez surgir uma comparação com o dodô, ave extinta das ilhas Maurício. Assim como o dodô, a sururina vive isolada, é terrestre, tem corpo compacto e não reconhece humanos como ameaça. O conjunto de características também a torna extremamente vulnerável.
Habitat único e frágil
A espécie só existe nas formações vegetais mais altas da Serra do Divisor, em áreas de solo arenoso, vento forte e vegetação típica de altitude — um ambiente que não se repete em nenhum outro lugar da Amazônia.
Por depender de uma área tão pequena e restrita, qualquer alteração ambiental pode colocar sua sobrevivência em risco.
Mudanças climáticas são a maior ameaça
A principal preocupação dos pesquisadores é o impacto das mudanças climáticas. A ave vive em uma faixa altitudinal muito limitada. Caso a temperatura suba, ela “precisaria” subir a montanha para encontrar condições mais frias — mas não existe altitude maior disponível.
Outras ameaças também preocupam: incêndios florestais, projetos de estrada entre Brasil e Peru, possíveis flexibilizações das regras de proteção do Parque Nacional da Serra do Divisor e até a entrada de animais domésticos, que podem levar doenças.
Por depender de um microambiente tão específico, qualquer mudança pequena pode destruir seu habitat inteiro.
Expedição difícil e registros inéditos
As expedições para confirmar a descoberta ocorreram em áreas de difícil acesso, com longas caminhadas por encostas íngremes e vegetação fechada. As equipes usaram técnicas como playback, gravação do canto, georreferenciamento por GPS e análises acústicas em laboratório.
O canto da sururina-da-serra é considerado um dos mais longos e complexos já registrados entre os tinamídeos, chegando a mais de 45 segundos.
A ave também apresenta características marcantes: máscara cinza-azulada, dorso marrom-oliváceo com brilho bronzeado, peito ferrugíneo intenso, flancos discretamente barrados e corpo compacto.
Uma descoberta rara na ciência
A última vez que uma espécie desse grupo de inhambus florestais havia sido descrita foi há aproximadamente 80 anos. Por isso, o achado é considerado histórico.
“É algo que todo ornitólogo sonha em viver. Encontrar uma espécie totalmente nova em 2025 é algo muito raro”, disse Luís Morais.
Para Fernando Igor de Godoy, que registrou o canto pela primeira vez, a descoberta é a realização de um sonho: “Não é uma subdivisão de algo já conhecido. É realmente uma espécie nova e surpreendente”.