Queima de fogos pode provocar crises sensoriais em pessoas autistas, alertam especialistas

Foto: Alexandre Macieira/SECOM

Tradicional na virada do ano, a queima de fogos de artifício pode causar sérios prejuízos a pessoas mais sensíveis aos ruídos intensos, como crianças, idosos e pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Especialistas alertam que os efeitos do barulho vão além do momento da celebração e podem gerar sofrimento que se prolonga por dias.

O neuropediatra e professor da Escola de Medicina e Ciências da Vida da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Anderson Nitsche, explica que pessoas autistas costumam ter maior sensibilidade auditiva. Segundo ele, o som dos fogos pode causar uma perturbação intensa e duradoura.

“As crianças e pessoas autistas têm uma sensibilidade maior ao som, o que provoca sofrimento imediato, mas que pode se estender por dias, com crises de ansiedade e insônia”, afirma.

Diante do barulho intenso e prolongado, pessoas com TEA podem entrar em uma chamada crise sensorial. Nesses casos, o estímulo sonoro gera reações como ansiedade extrema, vontade de fugir do local, irritabilidade e até agressividade contra si mesmas ou contra quem está por perto.

A neurologista e diretora clínica do Hospital INC, em Curitiba, Vanessa Rizelio, explica que o cérebro da pessoa autista não consegue interpretar aquele ruído como algo festivo.

“Eles não conseguem entender que se trata de uma comemoração. O cérebro interpreta como algo negativo, extremamente desagradável, e a reação natural é tentar sair daquela situação. Isso pode gerar ansiedade, irritabilidade e prejuízos importantes no sono, que afetam até o dia seguinte”, destaca.

A neuropediatra Solange Vianna Dultra, fundadora da Associação de Neurologia do Estado do Rio de Janeiro (ANERJ), reforça que o impacto vai além do desconforto emocional.

“O coração acelera, há liberação de adrenalina, a pressão sobe. Para essas pessoas, é como se estivessem no meio de um tiroteio. Algumas crianças chegam a se desregular até em ambientes escolares apenas por causa do barulho”, explica.

Alternativas aos fogos barulhentos

Diante desses impactos, algumas cidades brasileiras já adotaram legislações que proíbem fogos com estampido, especialmente em eventos públicos. Fogos silenciosos, shows de luzes e apresentações com drones têm sido alternativas para manter o simbolismo da celebração sem causar sofrimento a parte da população.

A psicóloga Ana Maria Nascimento, especialista em neuropsicologia e saúde mental, defende que essas opções ampliam o direito à participação coletiva.

“Celebrar é conviver. Quando a alegria de uns depende do sofrimento de outros, é preciso repensar essa tradição. Hoje existem alternativas, insistir no barulho soa como indiferença”, afirma.

Solange Vianna ressalta ainda que o sofrimento não atinge apenas a pessoa autista, mas toda a família. Segundo ela, a luminosidade dos fogos silenciosos não costuma ser um problema, bastando manter a criança longe de janelas.

O professor Anderson Nitsche reforça que a palavra-chave é empatia.

“A inclusão passa por entender que as pessoas são diferentes. Muitas vezes, a liberdade de um acaba ferindo a do outro e gerando sofrimento desnecessário”, destaca.

De acordo com o especialista, o autismo atinge cerca de 3% da população mundial. Nem todas as pessoas com TEA apresentam alterações sensoriais, mas muitas sofrem intensamente com ruídos altos.

Impacto também em idosos e bebês

Os idosos, especialmente aqueles com demência, também são bastante afetados pelo barulho dos fogos. Vanessa Rizelio explica que esses pacientes podem apresentar surtos, delírios e alucinações, além de prejuízos no sono, na memória e no raciocínio no dia seguinte.

Bebês também sofrem com os ruídos, já que precisam de períodos mais longos de sono.

“Os fogos começam horas antes da meia-noite e vão aumentando gradualmente. Isso desperta o bebê ou impede que ele durma, trazendo prejuízos importantes”, alerta a neurologista.

Para minimizar os impactos, especialistas sugerem o uso de ruído branco no ambiente ou abafadores de som, no caso de crianças maiores.

Vanessa Rizelio critica ainda a falta de fiscalização, mesmo em cidades onde a venda de fogos barulhentos é proibida.

“Em Curitiba, por exemplo, essa lei existe há mais de cinco anos, mas ainda ouvimos muitos fogos com estampido, principalmente no Ano-Novo. É preciso mais rigor para reduzir um comportamento que já deveria ter sido mudado há muito tempo”, conclui.

Informações via Agência Brasil.
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