A queda do ciclo da borracha marcou um período de grandes dificuldades para a Amazônia, trazendo estagnação econômica e problemas sociais profundos, principalmente em cidades como Manaus e Belém.
Décadas depois, esse cenário começou a mudar com a criação da Zona Franca de Manaus (ZFM), que foi idealizada para impulsionar o desenvolvimento regional, integrar a região ao restante do país e gerar novas oportunidades.
Implementada em 6 de junho de 1957, pelo governo brasileiro, a Zona Franca transformou Manaus em um dos principais polos industriais do Brasil. O que antes era uma economia fragilizada tornou-se um centro estratégico de produção, inovação e geração de empregos.
Segundo o Decreto de Lei nº 288, de 28 de fevereiro de 1967, pode-se definir a Zona Franca de Manaus como “uma área de livre comércio de importação e exportação e de incentivos fiscais especiais, estabelecida com a finalidade de criar no interior da Amazônia um centro industrial, comercial e agropecuário dotado de condições econômicas que permitam seu desenvolvimento”.
Atualmente, é a principal fonte de arrecadação do estado do Amazonas e um dos pilares de crescimento da Região Norte.
Em 2024, o Polo Industrial de Manaus alcançou resultados expressivos, com 132 mil empregos diretos e faturamento de US$ 40 bilhões.
Com mais de 50 anos de história, o modelo da Zona Franca de Manaus mostrou-se bem-sucedido a ponto de ter a vigência prorrogada até 2073.
Em entrevista ao Metrópoles, Luiz Augusto Barreto, presidente do Conselho Superior do Centro da Indústria do Estado do Amazonas (Cieam), destaca a importância do modelo para a economia da região e analisa a atuação no desenvolvimento do país.
A Zona Franca surgiu depois do ciclo da borracha, em uma crise econômica. Podemos dizer que esse foi o grande projeto de reconstrução regional no país?
Eu diria que a Zona Franca de Manaus é o maior projeto de desenvolvimento regional do país. E o reconhecimento de que somos um país desigual.
Pois é preciso reconhecer que nós não temos no Norte e Nordeste do Brasil as mesmas condições socioeconômicas, de infraestrutura e acadêmicas que proporcionaram ao Sul e ao Sudeste estarem em uma posição atualmente muito mais desenvolvida.
A indústria da Zona Franca de Manaus significa quase 2% do PIB do Brasil. Então, mesmo com toda a importância, nós ainda temos uma concentração bastante desigual de geração de atividade industrial quando a gente compara o Sul e o Sudeste.
Pegando esse gancho do PIB, como o senhor avalia o impacto da Zona Franca na economia do país?
O impacto é muito maior do que o percentual do PIB. Primeiro, porque a Zona Franca de Manaus é um ambiente empresarial extremamente formal.
Somos o mais formal do Brasil e um dos mais formais do mundo.
Além disso, a Zona Franca de Manaus, desde o seu nascedouro, trabalha com a perspectiva de grandes companhias globais.
Temos a coreana Samsung, a japonesa Honda, americana como a Coca-Cola, além das companhias brasileiras. É um caldeirão de culturas empresariais.
E esse caldeirão de executivos e de empresas formais possibilitou que a Zona Franca de Manaus fosse também um polo muito funcional, porque somos um distrito industrial concentrado.
É um ambiente culturalmente muito rico e muito atrativo para os executivos. Então, é muito comum as pessoas mudarem para Manaus e permanecerem em Manaus.
Quais são os principais produtos que saem da Zona Franca?
Hoje em dia, se pensarmos em produtos, nós temos um segmento forte de eletroeletrônicos, como telefones celulares, televisores e ar-condicionados. Sem contar que o maior polo de duas rodas do nosso continente está em Manaus.
Temos a segunda maior fábrica da Honda no mundo, que só é menor do que a fábrica da Honda no Japão.
Além desses produtos, temos a indústria química, importante na Zona Franca de Manaus.
São mais de 500 indústrias. É um número de empresas muito grande que também tem todo um ecossistema de empresas que fornecem para essas companhias. É um ecossistema, inclusive, de inovação, que serve de modelo para o país.
Os números da Zona Franca são robustos: mais de 130 mil empregos diretos. Na sua avaliação, que impacto isso representa para a região do Amazonas?
Nós sintetizamos isso numa frase: a vocação da Amazônia e do Amazonas é a indústria. Porque não há nenhuma atividade econômica no curto prazo que possa substituir a Zona Franca de Manaus.
Nós temos trabalhos de interiorização do desenvolvimento, trabalhamos para fazer com que a Zona Franca seja também relevante para populações além de Manaus. Além disso, temos um cinturão de prosperidade com índices de desemprego abaixo da média nacional.
Então, a Zona Franca de Manaus é a atividade econômica mais importante do nosso estado, de maneira disparada. Não só do ponto de vista da inovação, mas especialmente do ponto de vista da geração de emprego, renda e atividade digna para nossa sociedade.
A Zona Franca de Manaus contribui com todo o orçamento da Universidade do Estado do Amazonas, presente em todos os municípios do estado e na capital.
Sem precisar de um centavo de recurso público. Cada empresa que se instala na ZFM destaca um valor do faturamento para pagar essa faculdade.
Agora estamos com o desafio da reforma tributária, que vai buscar um modelo no comitê gestor para seguir com essa manutenção. São muitos fatores agregadores de valor para a sociedade decorrentes da atividade empresarial na Zona Franca de Manaus.
Como a industrialização em Manaus ajuda a preservar a floresta no estado?
Para se instalar na Zona Franca de Manaus é indispensável ter sistema de gestão da qualidade implantado. Isso é uma coisa única no Brasil. Nenhum estado brasileiro exige isso, mas no Amazonas isso é exigido pelo governo brasileiro.
As empresas precisam ter sistemas ISO ambiental 14.001, que é uma norma internacional que estabelece requisitos para um Sistema de Gestão Ambiental (SGA), com práticas sustentáveis, como a redução de resíduos, o consumo racional de recursos e a prevenção da poluição.
Como o Cieam avalia a extensão dos incentivos da Zona Franca de Manaus até 2073?
Houve um reconhecimento do parlamento brasileiro da efetividade do modelo. Porque é evidente que uma área incentivada precisa ter uma aprovação parlamentar. Essa aprovação ocorreu de maneira bastante representativa.
Isso foi reconhecido pelo parlamento brasileiro em mais de uma oportunidade, agora mesmo na reforma tributária, mais uma vez, os incentivos das regiões de Manaus foram preservados. A Zona Franca de Manaus foi preservada na sua integralidade do ponto de vista dos incentivos fiscais.
Estamos trabalhando para que, até 2073, a região possa ser dotada de infraestrutura, de capacidade de investimento, de capacidade de matrizes econômicas diversas. E que possamos também, como sociedade, reconhecer a importância da manutenção da floresta em pé.
O senhor acredita que a Zona Franca veio para ficar?
Eu não tenho nenhuma dúvida disso, até porque acredito que a Zona Franca deveria ser o modelo de desenvolvimento do Brasil.
Uma empresa formal, inclusiva, que traz contribuições para o seu entorno e para a sociedade.
É uma empresa que realmente faz a diferença no ambiente onde está inserida.
Quais são os principais desafios que a Zona Franca enfrenta atualmente?
Eu diria que o maior desafio é a comunicação. Porque estamos numa região incentivada, que precisa de uma forma ou de outra se explicar para o país.
A sociedade brasileira, que conhece a Zona Franca de Manaus, admira e respeita. Mas, precisamos ampliar essa compreensão, fazer com que essa empresa tão reconhecida regionalmente passe a ser reconhecida também no Brasil e no mundo.
Porque, efetivamente, nós temos ótimos índices de produtividade. A produção das indústrias de Manaus se equipara às melhores em posições das matrizes.
Então, eu diria que a Zona Franca veio para ficar e, mais do que isso, veio para crescer, prosperar e seguir contribuindo com o Brasil cada vez mais.