“Eu sou Karla Tenório, tenho 38 anos, sou atriz, escritora, tenho uma filha de 10 anos e sou uma mãe arrependida. Transformei minha angústia em um movimento para amparar mulheres como eu: que não gostam da maternidade. Sou criadora do “Mãe Arrependida” que visa à libertação da voz das mães que não são felizes como mães, que sofrem e sentem culpa por conta da maternidade.
Esse movimento visa combater a construção social, baseada na ética cristã, de que a mulher tem um amor incondicional pelo filho, de que ela é a imagem e semelhança da Virgem Maria; essa ideia de que quando a gente vira mãe perde a sexualidade, se volta integralmente para a criança, para o trabalho doméstico e para o cuidado
Quando eu me casei, eu não queria ser mãe, mas hoje vejo que cedi a uma vontade que não era minha. Um dia, durante a viagem para a Índia, em uma meditação no rio Ganges, tive a visão de que ia ter um filho. Daí passei dois anos planejando e me preparando para isso. Eu desejei, não engravidei sem querer.
O meu parto foi em casa, com uma parteira. Quando a minha filha nasceu, eu tomei uma porrada, porque eu havia me preparado durante dois anos e nada do que eu tinha lido refletia o que eu vivia.
Eu detesto ser mãe desde o momento em que a cabeça da minha filha saiu, durante o parto. Naquela hora, eu me perguntei se não tinha como voltar atrás, mas não dava. Tive uma complicação no parto, porque ela estava com a mão na cabeça e foi um processo delicado sair o resto do corpo. Foi aí que eu me arrependi.
Tive psicose pós-parto, que é algo mais grave do que a depressão pós-parto, porque eu era compulsiva por ser uma mãe perfeita.
Na psicose, você perde a noção do tempo, se fecha para o mundo, vira uma cuidadora excessiva. Eu tenho guardado, por exemplo, um caderno em que anotava quantos minutos a minha filha mamava em cada seio.
Eu nunca tive babá, deixei de fazer muitas coisas, de aceitar trabalhos para ser uma mãe exímia, por conta da culpa. Eu sou assim, essa mãe perfeita, uma perfeita mãe de merda. ‘Parecia que eu era a única’.
Os sintomas do arrependimento materno são frustração, sensação de que a vida acabou, abandono, desânimo para desenvolver novos projetos de vida.
Eu levei dez anos para sair do armário, para me assumir como mãe arrependida, porque parecia que eu era a única, que só eu sentia isso.
O meu arrependimento também passa por um relacionamento abusivo com o pai da minha filha e um processo complicado de separação Em 2017, eu entrei para um coletiva de mulheres e ali discutimos leituras sobre arrependimento materno. Naquele grupo, todas eram feministas, mas só eu era mãe.
Consegui me expor, ser ouvida, mas estava só de novo, era a única. Com o passar dos anos, comecei a ler mais sobre o assunto, a falar sobre o que sentia e percebi que havia outras mulheres como eu.
Criei o espetáculo online ‘Mãe Arrependida’, não para causar polêmica, mas para que as mulheres sejam reconhecidas, possam falar sobre a sobrecarga e seus sofrimentos
UOL