19 março 2025

Haitiano obrigado a se jogar de ponte no AC se locomove com dificuldade e ainda espera retorno pra casa

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O imigrante haitiano Jacquenue Bosquet, de 38 anos, que ficou paraplégico após ser obrigado a se jogar da Ponte da Integração, que liga a cidade de Iñapari, no Peru, a Assis Brasil, no Acre, em julho do ano passado, ainda está aguardando os trâmites para retornar ao seu país.

A coordenação do abrigo que fica na Chácara Aliança, em Rio Branco, onde está há 11 meses, disse que ainda se locomove com ajuda de um andador.

A coordenadora do abrigo, Suzana Rocha, disse que ele recebe o benefício do Bolsa Família e aguarda os trâmites para voltar ao seu país. Atualmente, ele não é mais acompanhado por médicos.

“O quadro dele atualmente é estável. Ficou com dificuldade de se locomover, pois precisa usar sempre o andador. Ele sempre está em contato com a família por telefone”, disse.

Ele estava no abrigo municipal desde agosto do ano passado, quando recebeu alta do hospital. A mudança de abrigo, segundo a direção, foi uma decisão do imigrante e então ele foi para o espaço do Estado ainda no começo deste ano.

Negociações
A chefe do Departamento de Diretos Humanos do estado, Maria da Luz França, é quem acompanha o haitiano desde que ele foi resgatado. Ela diz que atualmente segue em contato com organizações de haitianos no Brasil para tentar concluir o processo para que ele retorno ao país.

“A gente pediu apoio dessas associações para intermediar junto com o Consulado do Haiti e estamos aguardando resposta, só que os contatos que passaram a gente não conseguiu comunicação e não podemos mandá-lo sem ter alguém para recebê-lo no país dele. Ele quer voltar para o Haiti e, ao mesmo tempo, a gente precisa que alguém o acompanhe no processo que corre no Peru. Porque a Defensoria da União encaminhou um pedido para o país para que providências sejam tomadas”, conta.

O haitiano conta que foi obrigado a pular da ponte pela polícia boliviana, por isso, Maria da Luz disse que é preciso ter uma investigação e possível indenização, caso seja comprovado.

“Cabe requerer um pedido de indenização, é preciso que alguém o acompanhe e veja os meios para que possam reparar esse dano para ele. É o que a gente espera que aconteça para mitigar os danos na vida dele qur ficarão pra sempre. Ele tem dificuldade de andar e, sem falar o trauma psicológico e fatores emocionais que vão ser uma coisa que vai marcar para a vida toda”, destaca.

g1 tentou ouvir o imigrante, mas ele não aceitou dar entrevistas ainda. Maria da Luz diz que ele segue ainda muito ansioso pela volta para casa.

A Defensoria Pública da União (DPU) informou que encaminhou o caso para o Peru e está sendo analisado pela Defensoria Pública do Peru. O g1 entrou em contato com o Consulado do Peru no Acre para saber se acompanha o caso e em que é está o processo, mas não recebeu retorno.

Imigrante quando foi socorrido por equipe do Corpo de Bombeiros em 2021  — Foto: Reprodução

Imigrante quando foi socorrido por equipe do Corpo de Bombeiros em 2021 — Foto: Reprodução

Símbolo da crise humanitária

 

Jacquenue Bosquet se tornou um símbolo da crise humanitária que se instalou nas cidades do interior do Acre devido à pandemia e fechamento das fronteiras do Brasil com o Peru e a Bolívia. Muitos imigrantes ficaram retidos no estado porque os países vizinhos não abriam passagem.

O imigrante relatou que chegou à cidade do interior do Acre no dia 10 de julho de 2021 com três companheiros para passar para o lado peruano e seguir viagem até o Chile. E, assim como tantos outros imigrantes, eles tentaram fazer o percurso por rotas alternativas por meio de coiotes, já que a ponte estava fechada pelo Peru.

Já na cidade peruana de Iñapari, ele se desencontrou dos companheiros e acabou perdendo o táxi. “Disse que foi várias vezes enganado por outras pessoas, por outros coiotes, e depois foi levado até a polícia peruana, que teria colocado ele em cárcere”, informou, na época, o secretário de Assistência Social de Assis Brasil, Quedinei Correia.

O imigrante relatou ainda que na noite do dia 14 de julho, os policias o teriam levado até a ponte e após muita pressão, ele pulou e caiu em uma área de mata.

Início da recuperação

 

Em novembro do ano passado, o g1 teve acesso a um vídeo em que ele aparece em uma espécie de andador e consegue dar alguns passos durante o tratamento de recuperação.

Porém, quando ainda estava no abrigo da prefeitura, o imigrante se negava a continuar com o tratamento porque, segundo a assistente social do abrigo, Adriana Ferreira, ele queria voltar para o país dele e estava pressionando por essa viagem.

Na mesma época foi pedido suporte de saúde mental para ele, que segue sendo acompanhado por uma equipe multidisciplinar.

Jacquenue Bosquet faz constantes terapias  — Foto: Arquivo pessoal

Jacquenue Bosquet faz constantes terapias — Foto: Arquivo pessoal

Resgate

 

O haitiano foi transferido para a capital acreana no dia 26 de julho do ano passado devido à gravidade dos ferimentos. Ele foi socorrido pelo Corpo de Bombeiros no dia 24 daquele mês, quando foi avistado por moradores da região.

Após seis dias no Pronto-socorro da capital, onde passou por uma cirurgia, ele foi levado para a Fundação Hospitalar do Acre (Fundhacre) no dia 1º de agosto, onde ficou internado até o dia 16 de agosto até ir para o abrigo da prefeitura, onde ficou até a semana passada.

Ele fraturou a segunda vértebra lombar e passou por uma cirurgia para conseguir voltar a sentar, mas os diagnósticos iniciais diziam que ele não voltaria a andar.

Fluxo migratório
Em fevereiro de 2021, a Ponte da Integração foi ocupada por mais de 300 imigrantes. Na época, o município chegou a ter mais de 600 imigrantes, sendo que alguns ficavam nos dois abrigos montados pela prefeitura e outros acampados na ponte.

Por estar na fronteira do Brasil com o Peru, o município de Assis Brasil registra um fluxo migratório considerável. Os grupos têm encontrado rotas alternativas para passar para o Peru, mesmo com a fronteira fechada e, por isso, não ficam mais retidos no abrigo da cidade.

O movimento na cidade é tanto de imigrantes que chegam pelo Peru com destino às cidades brasileiras como aqueles que querem deixar o Brasil e encontram meios alternativos para passar.

Com a Ponte da Integração fechada, muitos conseguem atravessar de barco e depois pagam os chamados coiotes para seguir viagem pelo Peru até chegar em outros países.

Rotas
São duas situações que fizeram com que o número de imigrantes crescesse na cidade de Assis Brasil; a primeira, a de imigrantes que entraram no Brasil entre 2010 e 2016 em busca de uma vida melhor e, com a crise da pandemia, tentam sair do país para seguir viagem até México, Canadá, Estados Unidos e outros países.

A segunda é que o Peru, mesmo fechando a passagem para a entrada de imigrantes, libera a saída deles para o lado brasileiro, então, é uma porta de entrada para venezuelanos que buscam melhores em estados brasileiros.

Alguns dos imigrantes retidos no Acre também tentam uma rota alternativa para chegar na Bolívia e de lá seguir viagem.

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