Circula pelas redes sociais um vídeo que distorce uma fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sugere que ao mencionar a expressão “poupança regional” ele defendeu o confisco da poupança dos brasileiros para financiar o desenvolvimento regional. É FAKE.
O vídeo mostra a imagem de Lula durante um discurso em um encontro de cúpula com os presidentes de países da América do Sul. O vídeo é acompanhado das legendas: “Confisco democrático” e “Lula sugere colocar poupanças regionais a serviço do desenvolvimento.”
No vídeo, Lula diz a frase “colocar a poupança regional a serviço do desenvolvimento econômico e social mobilizando os bancos de desenvolvimento como a CAF, o Fonplata, o Banco do Sul e o BNDES”.
O termo “poupança regional”, no entanto, não se refere à poupança dos brasileiros e sim à reserva financeira comum entre os países do continente sul-americano, reunindo os bancos de desenvolvimento, explica, em nota, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.
Poupança regional não tem a ver com caderneta de poupança
O professor Paulo Feldmann, da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (USP), explica que a expressão “poupança regional” nada tem a ver com a caderneta de poupança que os brasileiros têm no banco.
“Entender que o Lula ia usar a poupança foi até maldade para não dizer que foi obra da oposição mais radical, porque é forçar muito a barra” diz Feldmann.
“Quando ele fala de poupança regional, é uma coisa muito clara: é a poupança que todos os países têm. Os países do Mercosul, todos têm uma poupança que sempre tem algum valor . Claro que alguns países estão em uma situação pior, como a Argentina, por exemplo, neste momento. Mas os países todos têm as suas reservas para situações urgentes, calamidades, crises, desastres etc. E alguns países que estão melhor até conseguem poupar e fazer investimentos. No caso da América do Sul, infelizmente, não estamos em um momento muito favorável, mas sempre tem alguma poupança. Qual foi a ideia do Lula: que essa poupança fosse usada em investimentos que beneficiariam a todos os países da América do Sul, que é uma necessidade, porque somos uma região muito pouco integrada entre nós. Não temos ferrovias que unam os diversos países. É um absurdo, mas se você quiser ir de trem para Argentina, que é o nosso principal parceiro, não tem como. Energia elétrica: não há quase nenhuma linha de transmissão que una países da America do Sul. O que o Lula disse é o seguinte: vamos investir neste tipo de coisa, usar a poupança regional para isso. E aí alguns maldosos acharam que isso era mexer na caderneta de poupança. Não tem pé nem cabeça essa mistura que foi feita”, diz Feldmann.
O professor explica que a poupança regional não usa recursos do cidadão comum. “De jeito nenhum. Todos os países sempre têm meios de mobilizar algum recurso para o caso de uma calamidade pública. Há situações em que dá para os países usarem recursos para finalidades como investimentos importantes. Infelizmente é pouco, neste momento. Mas o que o Lula disse é o seguinte: ‘nós temos recursos poucos, mas temos. Vamos usar isso em benefício de todos.’ Eu achei uma proposta muito boa. Não estou defendendo o Lula. Não defendo o Lula. Mas essa proposta foi muito boa, porque se nós temos um problema seríssimo na América do Sul quando a gente compara com qualquer outra região do mundo é a falta de integração total entre os diversos países. Então seria muito bom fazer algo que fosse comum aos países, que ajudasse aos países mutuamente. Foi nesse sentido. Eu assisti à fala que ele deu. Está muito claro isso e ai deturparam completamente. Usaram com finalidade política”, complementa.
Constituição não permite confiscar poupança
Advogada especialista em direito bancário e sócia do H Naves Advogados, Helen Naves esclarece que conforme o artigo 22 da Constituição Federal, a poupança é um assunto estritamente regulado pela União:
Veja o que diz a Constituição:
“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
(…)
XIX – sistemas de poupança, captação e garantia da poupança popular;”
No entanto, diz a especialista, o artigo 62 da Constituição Federal estabelece que o Presidente da República não pode, por meio de medidas provisórias, adotar qualquer medida que “vise a detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro”:
Veja o que diz a Constituição:
“Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.
§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:
(…)
II – que vise a detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro;”