30 junho 2024

Dia do Orgulho LGBTQIA+: Brasil celebra longa história de luta por direitos

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“Visibilidade” é a palavra-chave que permeia a história de luta LGBTQIA+ no Brasil. Mesmo durante os períodos mais violentos e autoritários, como a ditadura militar, houve resistência e mobilização. Desde as tentativas de organizar encontros nacionais entre 1959 e 1972, passando pela criação do Grupo Somos e dos jornais Lampião da Esquina e ChanacomChana em 1978, até o levante das lésbicas no Ferro’s Bar em 1983 e a retirada da homossexualidade da lista de doenças em 1985, a comunidade LGBTQIA+ tem sido protagonista de sua própria história.

Apesar desse histórico, a principal data de celebração da população LGBTQIA+ no Brasil é o 28 de junho, que faz referência à revolta de Stonewall, ocorrida em 1969 em Nova York. Frequentadores do Stonewall Inn, um bar gay em Manhattan, reagiram a uma operação policial violenta, tornando-se um marco do movimento LGBTQIA+ nos Estados Unidos e inspirando celebrações globais, incluindo no Brasil, como o Dia Internacional do Orgulho LGBT+.

Pesquisadores e ativistas entrevistados pela Agência Brasil apontam que a revolta em Nova York se tornou um símbolo internacional devido à força geopolítica e cultural dos Estados Unidos, não necessariamente por ter sido o primeiro evento do tipo no mundo.

“As datas podem e devem ser celebradas, mas nem tudo começa em Stonewall e nem tudo se resolveu lá. São muitos outros episódios que precisam ser lembrados para termos uma memória mais coletiva, plural, democrática e diversa sobre as lutas da comunidade LGBTQIA+,” explica Renan Quinalha, professor de Direito da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e presidente do Grupo Memória e Verdade LGBTQIA+ do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC). “A força do imperialismo cultural norte-americano invisibiliza marcos domésticos que também precisamos celebrar como avanços e conquistas.”

Para Rita Colaço, ativista LGBTQIA+ e diretora-presidente do Museu Bajubá, é crucial valorizar os elementos próprios do movimento brasileiro.

“O mito de Stonewall foi construído a posteriori. Na imprensa brasileira, até os anos 70, você não vê Stonewall com essa referência toda,” diz Rita. “Precisamos nos apropriar do nosso passado, do nosso patrimônio, dos nossos registros e acervos, reverenciá-los e lutar para que eles sejam preservados. É um trabalho que eu e outros pesquisadores fazemos para sensibilizar as pessoas sobre a importância da nossa história.”

Marcos da Luta no Brasil

Se focarmos exclusivamente na história nacional, não há um evento singular equivalente a Stonewall. Luiz Morando, pesquisador de Belo Horizonte sobre a memória LGBTI+, destaca a importância de reconhecer uma série de acontecimentos marcantes.

“Não há uma revolta ou rebelião semelhante a Stonewall no Brasil. Mas podemos falar de acontecimentos marcantes, momentos específicos e isolados que contribuíram para a formação de uma consciência política ao longo do tempo,” diz Morando.

Para Marco Aurélio Máximo Prado, professor e coordenador do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT+ (NUH) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é mais produtivo pensar na história como um processo contínuo de construção de demandas e reivindicações ao longo do tempo.

“A construção da consciência política das homossexualidades, e agora LGBTQIA+, é muito antiga. Esse movimento de construção de identidade e organização remonta ao final dos anos 1950. Se consolidou com a imprensa alternativa e boletins manuscritos, refletindo sobre sua condição e divulgando lutas internacionais,” diz Rita Colaço.

A construção do movimento LGBTQIA+ brasileiro é complexa e envolve muitos eventos e realizações significativas. Em 1980, o “Dia de Prazer e Luta Homossexual” reuniu várias entidades do movimento LGBTQIA+ e outros grupos marginalizados em São Paulo, denunciando a violência policial. Esse evento é considerado um marco na mobilização consciente e politizada da população.

Em 2004, a campanha “Travesti e Respeito” marcou o Dia da Visibilidade de Transexuais e Travestis em 29 de janeiro. A ação, lançada no Congresso Nacional, buscava dialogar com a sociedade e mostrar que travestis também mereciam respeito. Apesar dos avanços, a população trans continua sendo a maior vítima de violência entre os grupos LGBTQIA+.

As “marchas” ou “paradas” começaram a ganhar importância a partir dos anos 1990, com o Grupo Arco Íris no Rio de Janeiro desempenhando um papel fundamental. Em 1995, a primeira Parada do Orgulho LGBT reuniu cerca de 3 mil pessoas no Rio de Janeiro, fortalecendo o movimento e mobilizando mais participantes.

Os avanços dos grupos conservadores e do fundamentalismo religioso são hoje as principais ameaças aos direitos conquistados. A luta pelos direitos LGBTQIA+ no Brasil é uma trajetória de contradições, paradoxos, ganhos e perdas, e a comunidade continua a se reinventar para enfrentar esses desafios.

“A história dos direitos LGBT+ no Brasil é de contradições e luta. Neste momento de ofensiva contra os direitos LGBT+ e a diversidade de gênero, precisamos nos reinventar em novas lutas políticas,” conclui Marco Aurélio.

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