Misteriosas figuras geométricas esculpidas no solo há mais de dois mil anos, os geoglifos do Acre despertam fascínio e curiosidade. Compostos por círculos, quadrados e octógonos, esses desenhos milenares, espalhados pelo estado, podem receber reconhecimento internacional como Patrimônio Mundial da Unesco, consolidando seu potencial turístico.
Atualmente, mais de mil geoglifos já foram identificados na região, mas apenas 462 foram oficialmente registrados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Em 2018, o geoglifo do Sítio Arqueológico Jacó Sá foi tombado como patrimônio cultural do Brasil, destacando-se entre os mais estudados.
Descobertas e relatos locais
O Sítio Arqueológico Jacó Sá, localizado próximo a Rio Branco, foi descoberto por moradores que inicialmente acreditavam que as formações eram naturais. Edmar Queiroz, filho de Jacó Sá e atual proprietário da área, lembra do momento em que percebeu as estruturas no solo.
“Cheguei aqui aos 9 anos, e hoje estou com 75. Quando limpamos a terra para o plantio, vimos essas valas, mas não faziam sentido para nós. Pensávamos que era obra da natureza”, conta.
A real importância do local só foi revelada anos depois, quando o professor Alceu Ranzi, da Universidade Federal do Acre (Ufac), sobrevoou a região e identificou os padrões geométricos. “Ele veio pessoalmente no dia seguinte para investigar e encontrou várias outras estruturas semelhantes”, explica Edmar.
Outros proprietários de terras na região também descobriram geoglifos ao limpar terrenos para cultivo. Raimundo da Silva, conhecido como “Tequinho”, percebeu a presença de uma dessas formações ao preparar sua terra para plantação. O sítio arqueológico em sua propriedade se tornou referência para pesquisas e turismo, atraindo visitantes do Brasil e do exterior.
Outro caso notável é o de Severino Calazans, de 103 anos, proprietário de um sítio arqueológico cortado pela BR-317. Ele recebe turistas frequentemente e reforça a importância da preservação: “Sempre trato bem os visitantes e peço que respeitem a estrutura. Ninguém sabe ao certo para que serviam os geoglifos, mas o mistério nos instiga”, comenta.
Importância histórica e preservação
Stênio Cordeiro, superintendente do Iphan no Acre, ressalta que a preservação dos geoglifos é essencial para a compreensão da ocupação humana na Amazônia. “O tombamento do Sítio Jacó Sá teve um caráter representativo, com o objetivo de proteger esse patrimônio. Além do valor histórico, os geoglifos têm um enorme potencial turístico, gerando emprego e renda para a população local”, explica.
Dos 462 geoglifos catalogados, 56 estão em Rio Branco. No entanto, muitos ainda aguardam registro, principalmente por estarem em áreas de difícil acesso dentro da floresta. A expectativa é que o reconhecimento pela Unesco amplie a visibilidade dos sítios arqueológicos e fortaleça sua preservação.
O que dizem os pesquisadores?
Antônia Barbosa, arqueóloga do Iphan no Acre, afirma que os geoglifos foram projetados para serem vistos do alto, possivelmente para rituais e cerimônias. “Sabemos que não eram estruturas defensivas nem habitações. A teoria mais aceita é que serviam para eventos religiosos e cultos. Os formatos geométricos e o tamanho impressionante reforçam essa hipótese”, explica.
Pesquisas etnográficas também indicam que algumas comunidades indígenas atuais consideram esses locais sagrados e evitam entrar neles. Além disso, os estudos mostram que os geoglifos foram construídos há pelo menos 2.500 anos, em áreas planas e afastadas de rios, o que descarta o uso para plantio ou moradia.
Ainda há questionamentos sobre como essas estruturas foram feitas sem ferramentas modernas. A hipótese mais provável é que os povos antigos usavam instrumentos de madeira para escavar o solo e criar as valetas que formam os desenhos.
Geoglifos e o turismo
Os sítios arqueológicos do Acre já atraem muitos visitantes, especialmente estrangeiros. “Os turistas se encantam com a grandiosidade dessas estruturas e questionam como foram construídas no meio da floresta”, relata Antônia Barbosa.
O reconhecimento pela Unesco pode impulsionar ainda mais o turismo na região. Em outubro, a série Ancient Apocalypse, da Netflix, destacou a importância dos geoglifos, aumentando o interesse pelo tema. A Secretaria de Estado de Turismo e Empreendedorismo (Sete) promoveu debates sobre a preservação desses sítios e seu potencial econômico.
Marcelo Messias, secretário da Sete, destaca que os geoglifos são um convite para conhecer o passado da Amazônia. “Eles representam um legado da humanidade e oferecem oportunidades para turismo sustentável, geração de empregos e preservação cultural”, afirma.
Geoglifos próximos a Rio Branco abertos à visitação
Para quem deseja conhecer os geoglifos, algumas estruturas podem ser visitadas com relativa facilidade:
-
Geoglifo Baixa Verde II: Localizado a 28 km de Rio Branco, na BR-317, tem formato quadrado com trincheiras de 14,7m de largura e 1,5m de profundidade.
-
Geoglifo Severino Calazans: Situado a 4,5 km do Baixa Verde II, também na BR-317, possui um quadrado de 230m de lado e trincheiras de 12m de largura.
-
Geoglifo Jacó Sá: Um dos mais famosos, a 8 km do Severino Calazans, é composto por dois quadrados e um círculo.
-
Geoglifo Tequinho: Conhecido internacionalmente, fica 11 km à frente do Jacó Sá, acessível pela Vila Pia, e apresenta dois grandes quadrados com trincheiras triplas.
Com o avanço das pesquisas e o possível reconhecimento pela Unesco, os geoglifos do Acre se consolidam como um dos mais importantes vestígios arqueológicos da Amazônia, unindo história, cultura e turismo.