
Quando Anja Madhvani participou de uma ultramaratona no deserto de Marrocos em 2018, ela já não se sentia bem. Não conseguia comer, teve febre durante as noites no acampamento, e chegou a tossir sangue. Em meio à exaustão e desidratação, começou a ter alucinações.
“Eu estava sozinha, no meio de uma terra queimada, e sentia fisicamente que estava morrendo”, lembra a britânica de 35 anos, em entrevista à Euronews Health.
De volta ao Reino Unido, os médicos suspeitaram inicialmente de gripe e, depois, de uma infecção pulmonar. Apenas mais tarde, após exames mais específicos, veio o diagnóstico: tuberculose (TB).
Anja precisou ficar 11 dias isolada no hospital, passou quase um ano em tratamento com comprimidos diários, e levou mais um ano até se sentir plenamente recuperada. “Foi um processo muito lento. Eu carregava essa doença mortal sem saber… e alguns efeitos ainda me acompanham até hoje”, diz.
Muitos ainda associam a tuberculose ao século XIX, quando era conhecida como “consumo” e responsável por um quarto das mortes no Reino Unido. No entanto, a doença continua presente: causou cerca de 1,25 milhão de mortes no mundo em 2023 — mais do que qualquer outra doença infecciosa.
Embora afete principalmente países da Ásia, África e Pacífico Ocidental, a TB tem ressurgido também em nações ricas. Especialistas apontam que ela serve como um “termômetro social”, pois está fortemente ligada à pobreza e à vulnerabilidade social.
“Como é a doença arquetípica da pobreza, a tuberculose acaba sendo um sinal de alerta para outros problemas de saúde relacionados à desigualdade”, afirma Tom Wingfield, médico e pesquisador da Escola de Medicina Tropical de Liverpool.
Em 2023, a Inglaterra registrou 5.480 casos de TB — um crescimento de 13% em relação ao ano anterior, que já havia tido aumento de 11%. Foi o maior salto desde 1971.
Um dos focos da doença está no leste de Londres, onde uma clínica que tratou 294 pacientes em um único ano agora planeja abrir um novo centro especializado, com investimento de 4,63 milhões de libras.
A bactéria da TB pode permanecer adormecida nos pulmões por anos antes de atacar o corpo. A única vacina disponível protege apenas crianças pequenas, sem eficácia comprovada em adultos.
Grande parte dos novos casos ocorre em imigrantes, que podem ter sido infectados antes de chegar ao país. Mas os números também estão crescendo entre britânicos nativos — o que não acontecia desde 2012.
Os especialistas acreditam que a Covid-19 contribuiu para o aumento atual, ao atrasar diagnósticos e tratamentos. Mas os atrasos não explicam tudo.
A tuberculose é mais comum entre pessoas sem moradia, que vivem em locais superlotados, ex-presidiários, usuários de drogas, alcoólatras e pessoas em situação de desnutrição.
Embora apenas 13% dos pacientes com TB na Inglaterra tenham declarado ter algum fator de risco social, a subnotificação é provável. “Sabemos de onde vêm os aumentos. O porquê, ainda estamos tentando entender”, diz Paul Sommerfield, diretor da ONG TB Alert.
O que está sendo feito
A Agência de Segurança da Saúde do Reino Unido (UKHSA) está revendo seu plano nacional de combate à tuberculose, que prevê diagnóstico mais rápido, tratamento completo e maior conscientização da população.
Contudo, ainda não há clareza sobre o orçamento do novo plano.
Para Wingfield, o plano precisa incluir rastreamento entre imigrantes e mais dados sobre as condições sociais dos pacientes — para conectá-los com serviços como moradia e alimentação. Ele também defende que empregadores que contratam mão de obra estrangeira ajudem a financiar os exames.
Além disso, ele aponta que muitos médicos chegam a tirar dinheiro do próprio bolso para ajudar pacientes em dificuldades com alimentação ou transporte.
Madhvani, por sua vez, destaca a falta de apoio psicológico aos pacientes depois do tratamento. “É muito assustador e solitário, principalmente quando o tratamento termina e você é deixado por conta própria. Não há acompanhamento”, afirma.
Apesar do aumento de casos, o Reino Unido tem baixos índices de TB resistente a medicamentos — um grande problema em países com acesso limitado à saúde. O tratamento padrão pode durar de quatro a nove meses, e os efeitos colaterais são fortes.
“Eliminar infecções latentes é essencial”, explica Sommerfield. Algumas pessoas infectadas nunca desenvolvem a doença, mas o risco permanece. Foi o caso de um amigo de Anja que interrompeu o tratamento e, anos depois, acabou hospitalizado.
“Quando vi a foto dele, ele estava ainda mais debilitado do que eu estive”, conta. “Fiquei com raiva. As pessoas não entendem o que a tuberculose pode fazer se não for tratada. Não importa se você é rico ou viaja muito — se tiver contato com a doença, está em risco.”