
Brasília foi palco, neste domingo (5), de mais uma manifestação polêmica que expõe as feridas abertas nos últimos anos da política brasileira. Sob o grito de “liberdade” e carregando bandeiras do Brasil, milhares de pessoas se reuniram na Esplanada dos Ministérios para pedir anistia aos envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, quando as sedes dos Três Poderes foram invadidas por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro.
O ato dividiu opiniões e reacendeu discussões profundas sobre o papel da justiça, o conceito de democracia e os perigos da impunidade. Para uns, trata-se de um movimento legítimo de contestação. Para outros, um perigoso flerte com a repetição da história — ou pior, sua banalização.
Uma multidão em nome dos “patriotas”

O protesto reuniu pessoas de vários estados do país, com caravanas organizadas e forte mobilização nas redes sociais. Vestidos de verde e amarelo, os manifestantes empunhavam faixas pedindo “liberdade para os patriotas” e denunciavam o que chamam de “perseguição política” contra os condenados.
Até o momento, mais de 90 pessoas já foram condenadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por envolvimento direto nos ataques. As penas variam de 3 a 17 anos de prisão, por crimes como associação criminosa armada, tentativa de golpe de Estado, dano ao patrimônio público e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
A retórica do perdão e o risco do esquecimento
O pedido de anistia, embora amparado pela liberdade de expressão, preocupa juristas e defensores da democracia. “Não se trata de punir ideias, mas sim ações que atentaram contra a ordem constitucional”, afirmou a professora de Direito Constitucional Mariana Goulart. “A anistia, nesse contexto, pode ser lida como uma espécie de licença para novos ataques.”
A retórica de “patriotas injustiçados” se apoia em narrativas de vitimização, muitas vezes descoladas da realidade dos processos judiciais, que ocorreram com direito à ampla defesa. O risco, segundo especialistas, é que esse tipo de discurso reforce a desinformação e enfraqueça a confiança nas instituições.
Reação e silêncio

O protesto deste domingo teve pouca reação imediata das lideranças políticas. Parlamentares da base do governo criticaram o ato, classificando-o como “mais um insulto à democracia”. Já setores da oposição mantiveram silêncio ou preferiram não se posicionar claramente.
A ausência de um debate mais incisivo sobre o tema evidencia como o país ainda caminha sobre cascas de ovos quando o assunto é o 8 de janeiro — um episódio que deveria estar superado com a força da lei e não relativizado com atos revisionistas.
Um país dividido?
Pesquisas recentes mostram que a maior parte da população brasileira reprova os ataques de 8 de janeiro e apoia a responsabilização dos envolvidos. No entanto, a permanência de discursos de “perseguição política” entre parte dos eleitores bolsonaristas mostra que a polarização ainda está viva — e alimentada.
“A democracia exige perdão, mas nunca esquecimento. Quando há crime contra a própria democracia, o perdão só pode vir após a justiça”, sintetizou o sociólogo Eduardo Nascimento.
Conclusão
A manifestação em Brasília é mais do que um protesto: é um espelho do momento frágil que o Brasil ainda enfrenta em sua reconstrução democrática. A linha entre liberdade de expressão e defesa de atos golpistas precisa ser bem traçada — e respeitada. Pedir anistia a quem atacou os pilares da República não é apenas uma escolha política, é um teste ao compromisso do país com o Estado de Direito.