Aos 21 anos, Ana (nome fictício) enfrentou uma realidade dura e cada vez mais comum entre jovens brasileiros: o adoecimento físico e emocional causado por sobrecarga de trabalho, cobranças excessivas e falta de reconhecimento. Natural de Rio Branco, no Acre, ela viveu, sem saber ao certo, o que mais tarde descobriria se chamar “quiet quitting”, ou “demissão silenciosa” — uma forma de resistência ao desgaste profissional que prioriza os limites pessoais e a saúde mental.
“Chegou um momento em que meu corpo começou a me avisar que eu estava passando dos limites. Eu acordava cansada, com crises de ansiedade e chorava antes de ir trabalhar. Mesmo assim, achava que era normal”, desabafa.
O que é o quiet quitting?
O termo “quiet quitting” não significa deixar o emprego, mas sim uma mudança de atitude. Ele representa a decisão de cumprir apenas o que está previsto no contrato de trabalho, sem ir além de maneira contínua, como horas extras não remuneradas, funções que não fazem parte do cargo ou sobrecarga emocional. A prática ganhou força durante a pandemia de COVID-19 e viralizou em plataformas como TikTok e LinkedIn.
Segundo dados da consultoria americana Gallup, cerca de 50% dos trabalhadores nos Estados Unidos praticam o quiet quitting. No Brasil, embora não existam estatísticas formais, o fenômeno tem sido relatado por diversos profissionais, especialmente da geração Z e dos millennials, que enfrentam altos índices de burnout.
A experiência de Ana
Ana atuava como auxiliar administrativa em uma empresa privada e, inicialmente, via na oportunidade uma porta de entrada promissora para sua carreira. Com o tempo, no entanto, a realidade foi se mostrando desafiadora. Ela acumulava tarefas de outros setores, recebia mensagens fora do expediente e trabalhava sob constante pressão.
“Eu era nova, queria mostrar serviço, então aceitava tudo. Mas, depois de alguns meses, meu rendimento caiu. Comecei a adoecer e fui procurar ajuda médica”, conta. O diagnóstico veio em forma de alerta: estafa mental e sinais de depressão.
Foi nesse momento que Ana decidiu mudar sua postura. Sem fazer alarde, parou de atender ligações fora do horário, recusou atividades que não eram de sua função e passou a priorizar pausas regulares. Essa mudança de atitude, no entanto, não foi bem recebida pela liderança.
“Passei a ser vista como preguiçosa, descomprometida. Mas, na verdade, eu só queria sobreviver ao trabalho. Escolhi minha saúde”, afirma.
Reflexo de uma geração esgotada
O caso de Ana representa o que especialistas chamam de reação legítima à cultura do excesso. A psicóloga organizacional Paula Leite explica que o quiet quitting surge como forma de autoproteção diante de ambientes tóxicos de trabalho.
“Muitos jovens já chegam ao mercado de trabalho carregando pressões sociais e expectativas irreais. Quando se deparam com jornadas abusivas e ausência de reconhecimento, eles optam por se proteger, mesmo que isso signifique desagradar a chefia”, observa.
Ela ressalta que o problema não está no comportamento do colaborador, mas nas estruturas organizacionais que ainda valorizam a produtividade a qualquer custo.
Efeitos positivos e novos caminhos
Após meses resistindo silenciosamente, Ana pediu demissão. A decisão, segundo ela, foi libertadora. Hoje, ela se dedica a cursos online, trabalha como freelancer e planeja abrir um pequeno negócio.
“Não foi fácil sair sem outro emprego certo, mas eu precisava respirar. Hoje, tenho menos dinheiro, mas muito mais paz”, afirma.
A história de Ana traz à tona discussões importantes sobre saúde mental, dignidade no trabalho e equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Ela acredita que compartilhar sua experiência pode ajudar outras pessoas que se sentem da mesma forma: esgotadas, mas culpadas por priorizar o próprio bem-estar.
“Eu achava que o problema era comigo, mas entendi que o que eu vivia era uma estrutura doente. E eu não queria mais adoecer junto.”