Em 2019, o Procon de São Paulo já havia alertado o governo Jair Bolsonaro sobre milhares de descontos indevidos nas aposentadorias de beneficiários do INSS. O órgão de defesa do consumidor identificou 16 mil casos de cobranças irregulares feitas por associações, o mesmo tipo de esquema investigado atualmente pela Polícia Federal na chamada “farra do INSS”, que levou à queda de autoridades do governo Lula.
A denúncia do Procon-SP, encaminhada à Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e ao próprio INSS, apontava um crescimento expressivo nas reclamações: de 2.269 registros em 2017, o número saltou para 7.564 em 2019 — um aumento de 233%. O órgão recomendava a suspensão imediata da autorização para que associações realizassem descontos nas aposentadorias até que houvesse uma revisão completa dos acordos e mecanismos de fiscalização.
Mesmo com os alertas, o problema persistiu. De 2017 a 2019, os repasses a essas entidades saltaram de R$ 41,2 milhões para R$ 173,2 milhões. Em 2024, o valor anual chegou a R$ 2 bilhões. A Polícia Federal estima que, desde 2019, cerca de R$ 6,3 bilhões foram arrecadados de forma irregular por essas associações.
Apesar de algumas punições pontuais, muitas das entidades continuaram operando sem grandes alterações na fiscalização. Algumas delas, inclusive, mudaram de nome e voltaram a firmar convênios com o INSS — tanto durante o governo Bolsonaro quanto já na gestão Lula.
Um dos casos envolve a ABRAPPS, anteriormente chamada de ANAPPS, que já tinha 670 denúncias registradas pelo Procon-SP entre 2017 e 2019. Mesmo com esse histórico, a entidade teve um novo acordo assinado com o INSS em 2021. Em 2024, já com o novo nome, ela registrava 5.550 aposentados com descontos mensais em suas aposentadorias. Dados do TCU mostram que 74% das reclamações sobre a entidade no site Reclame Aqui estavam relacionadas a cobranças indevidas.
Outra associação, a AAPEN, também renomeada após denúncias, teve acordos rescindidos em 2019 e 2020, mas voltou a atuar em 2023. Em 2024, ela já possuía quase meio milhão de filiados com descontos mensais nas aposentadorias.
Além do Procon, outros órgãos públicos também haviam apontado falhas na fiscalização do INSS. A Procuradoria do Paraná e a Controladoria-Geral da União (CGU) alertaram que, apesar das reiteradas denúncias e da falta de estrutura para acompanhar os convênios com as associações, o INSS não tomou medidas adequadas para impedir os abusos.
Segundo a CGU, o crescimento acelerado dos descontos em folha e o aumento de pedidos de cancelamento eram sinais claros de irregularidades que não foram combatidas com eficiência. A falta de controle permitiu que o esquema se espalhasse, afetando milhões de aposentados.
As denúncias levaram à Operação Sem Desconto da Polícia Federal, deflagrada em abril de 2025, que resultou na demissão do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e do ministro da Previdência, Carlos Lupi. As investigações seguem em andamento para apurar a extensão da fraude e os responsáveis por manter o sistema vulnerável por tantos anos.