Padre, eu poderia fundamentar esta carta lembrando que o mesmo Deus a quem o senhor serve também não ressuscitou seus próprios santos. Poderia citar os muitos papas, bispos e mártires que morreram em agonia, mesmo após uma vida inteira de fé.
Poderia narrar sobre os séculos em que a sua Igreja esteve aliada ao poder que sequestrou, catequizou à força e desumanizou povos africanos e originários. Poderia ainda lembrar os incontáveis relatos de crianças e adolescentes que, até hoje, denunciam abusos cometidos por sacerdotes que compartilham o mesmo hábito que o senhor. Mas escolho não seguir esse caminho.
Prefiro falar da oportunidade que o senhor desperdiçou. Diante da morte de uma filha, de uma irmã, de uma artista que enfrentou a dor com dignidade, o senhor escolheu o escárnio. Usou a morte de Preta Gil como pretexto para debochar de crenças que não são suas. Transformou o altar em palanque, e o verbo em veneno. Numa hora em que a palavra poderia acolher, o senhor preferiu ferir.
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Não sou católico, mas creio no Cristo que lavava pés. Aquele que se sentava com os marginalizados, que ouvia com atenção os diferentes, que nunca usou a fé para agredir. Um Cristo que se fez verbo, sim, mas verbo de amor. Ao zombar dos orixás e de quem neles crê, o senhor não fala em nome de Deus, fala em nome da intolerância. E, vale lembrar, intolerância religiosa é crime. É ofensiva que não se esconde atrás de batina. Espero, sinceramente, que o Ministério Público investigue, e que a Justiça faça o que é justo.
Sua fala não diminui os orixás. Diminui a si mesmo. Expõe o abismo entre o Evangelho que liberta e o discurso que oprime. Entre a fé que acolhe e a arrogância que exclui. Entre a cruz que redime e o microfone que condena.
Desejo que um dia o senhor compreenda que o amor, padre, aquele amor que Jesus pregou, não precisa zombar de ninguém para existir. E que nenhuma salvação é possível onde não há respeito. Axé!






