Após pedir anulação de todo o processo do golpe, Fux reconhece validade da delação de Cid

O ministro Luiz Fux apresentou um voto marcado por contradições e ecos com o bolsonarismo no julgamento da tentativa de golpe de Estado, na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), na manhã desta quarta-feira (10).

De um lado, defendeu a anulação de todo o processo, sob o argumento de que a Corte não teria competência para julgar Jair Bolsonaro e os outros sete réus do núcleo crucial da organização criminosa, além de sustentar que houve cerceamento de defesa diante do volume de provas. De outro, reconheceu a validade da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, principal colaborador das investigações.

O julgamento já tem dois votos pela condenação dos réus, com Alexandre de Moraes e Flávio Dino. O placar está 2 a 0 contra Bolsonaro e seus aliados.

Apesar de ser visto como uma “esperança” pelas defesas dos acusados, a posição de Fux causou estranheza porque, no início do processo, ele mesmo havia aceitado a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), tornando os acusados réus. Agora, sustenta que o Supremo seria incompetente para julgá-los.

Defesa da nulidade do processo

Na primeira parte de seu voto, Fux repetiu argumentos das defesas dos réus e afirmou que o caso não deveria estar no STF, mas sim em instâncias inferiores, já que Bolsonaro e aliados não tinham mais foro privilegiado.

“Os fatos ocorreram entre 2020 e 2023. Naquele período a jurisprudência era pacífica, consolidada, inteligível que uma vez cessado o cargo a prerrogativa de foro deixaria de existir. Nesse caso, os réus perderam seus cargos muito antes”, disse.

O ministro também argumentou que houve cerceamento de defesa pelo volume de provas. Segundo ele, não houve tempo hábil para que os advogados tivessem acesso a todo o material.

Delação de Cid

Apesar de pedir a nulidade do processo, Fux votou pela manutenção da delação de Mauro Cid, alinhando-se a Alexandre de Moraes e ao Ministério Público. Para ele, a colaboração foi legítima e deve gerar benefícios ao ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.

“É bem verdade que eu fiz essa crítica, que idas e vindas de um colaborador podem representar atos de retaliação, criatividade de autoproteção, mas depois de me debruçar, como espero estar demonstrando sobre todo o processo, eu verifiquei que hoje no direito o núcleo essencial do conceito tem de ser a eficiência do sistema de justiça. (…) Nesse sentido me parece desproporcional a anulação dessa delação. Então, estou acolhendo a conclusão de sua excelência relator, estou acolhendo o parecer do Ministério Público e eu voto no sentido se aplicar ao colaborador Mauro Cid os benefícios propostos pela Procuradoria Geral da República”.

A postura de Fux evidencia uma contradição: enquanto ecoa a narrativa bolsonarista e questiona a condução do processo, ao mesmo tempo reforça a acusação ao validar a delação que expõe diretamente Jair Bolsonaro e seus aliados na execução da tentativa de golpe.

Entenda o julgamento da tentativa de golpe de Estado

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento do núcleo crucial da trama golpista, composto por Jair Bolsonaro e outros sete réus. O processo investiga a organização criminosa que atuou para deflagrar um golpe de Estado e manter o ex-presidente no poder após sua derrota nas urnas em 2022.

Entre os crimes apontados pela PGR estão:

  • Abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
  • Golpe de Estado;
  • Organização criminosa;
  • Dano qualificado;
  • Deterioração de patrimônio tombado.

Se condenados, Bolsonaro e seus cúmplices podem pegar mais de 30 anos de prisão. O processo se apoia em provas como a chamada “minuta do golpe” – documento que previa medidas de exceção para impedir a posse de Lula – e no plano “Punhal Verde e Amarelo”, que chegou a cogitar o sequestro e assassinato de autoridades, incluindo o próprio ministro Moraes, além do presidente Lula e do vice Geraldo Alckmin.

Após o voto do relator, os demais ministros seguem a seguinte ordem: Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e, por último, o presidente da Turma, Cristiano Zanin. A condenação exige maioria simples: três dos cinco votos.

Em caso de condenação por maioria simples, como um placar de 4 a 1, os réus ainda poderiam apresentar um recurso dentro da própria Primeira Turma, o que retardaria eventual prisão. Já em caso de unanimidade pela condenação, restaria apenas a possibilidade de embargos de declaração, recurso limitado a esclarecer pontos do acórdão e que raramente altera o resultado. Nessa hipótese, a prisão dos acusados pode ser decretada.

Para que o caso seja levado ao plenário do STF, seria necessário que pelo menos dois ministros votassem pela absolvição, estabelecendo um placar de no mínimo 3 a 2.

Quem são os réus:

  • Jair Bolsonaro – ex-presidente da República;
  • Alexandre Ramagem – ex-diretor da Abin;
  • Almir Garnier – ex-comandante da Marinha;
  • Anderson Torres – ex-ministro da Justiça;
  • Augusto Heleno – ex-ministro do GSI;
  • Paulo Sérgio Nogueira – ex-ministro da Defesa;
  • Walter Braga Netto – ex-ministro e candidato a vice em 2022;
  • Mauro Cid – ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.

Por Ivan Longo da Revista Fórum

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