Espetáculo aborda o medo e a realidade de quem convive com o vírus HIV

Marcada para o dia 3 de outubro, no Espaço de Convivência do Teatro Vivo em São Paulo, a estreia de “Um Pequeno Incidente”, dirigida por Marco Antônio Pâmio e protagonizada por Rafael Primot e José Pedro Peter. A peça tem como proposta abordar “de maneira sensível, o medo e a realidade em torno de quem convive com o vírus HIV”.

A história sobre dois homens, na faixa dos 35 a 40 anos e de personalidades bem diferentes, que estão aguardando na área de espera de um centro de atendimento do SUS, os seus respectivos resultados de teste rápido.

Este encontro, ao acaso, unirá os dois de uma forma inesperada e criará um laço entre eles por toda a vida. O ano de 2025 marca os 40 anos do início do combate a Aids no Brasil. A seguir, uma conversa com Rafael Primot:

Por que se fala tão pouco sobre a AIDS atualmente nos palcos e nas produções do audiovisual? Como mudar esse cenário?

RP – Acho que se fala pouco sobre a AIDS, porque existe um certo desconforto coletivo em revisitar essa ferida. E hoje, com os avanços dos tratamentos, parece que se instalou uma espécie de silêncio. Como se a AIDS tivesse virado passado, como se já não fosse preciso olhar para ela.

Só que essa ausência também cria um apagamento: das vidas que foram interrompidas, das histórias que nunca chegaram a ser contadas e, principalmente, do impacto que essa geração teve na arte, na política e na nossa liberdade de existir e de se relacionar.

Também existe uma resistência concreta: patrocinadores acreditam que o público pode rejeitar o tema, que “não é comercial”, e muitos artistas ainda carregam medo ou preconceito de associar a própria imagem à essa discussão – nos deparamos com esse discurso, veja só!

É como se falar de AIDS ainda fosse uma marca indesejada, na vida e no currículo, quando, na verdade, deveria ser um ato de coragem e responsabilidade.

Mudar esse cenário passa por resgatar essas narrativas com coragem e afeto. Não se trata só de falar da doença, mas de dar voz às pessoas que viveram e vivem com HIV, de trazer para os palcos e para as telas a humanidade que, muitas vezes, foi reduzida a estatística.

Acho que o teatro e o audiovisual têm uma força única para desmontar preconceitos e devolver dignidade. O caminho é olhar para essas histórias não como uma “pauta esquecida”, mas como parte fundamental da nossa memória coletiva — e também como algo vivo, que ainda pulsa, que ainda precisa ser contado para que as novas gerações não cresçam na ilusão de que a AIDS deixou de existir.

Recentemente, a HBO Max estreou uma série (‘Máscaras de Oxigênio Não Cairão Automaticamente’) sobre o tema. É pouco né?

RP – É pouco, porque ainda temos um silêncio enorme em torno do tema. Mas, ao mesmo tempo, é muito. É histórico! Pela primeira vez no Brasil temos protagonistas gays (e atores assumidamente gays em papéis principais), em uma série de grande orçamento na TV, feita com cuidado, realismo e brilho.

Isso muda a régua. Abre um precedente. Mostra que é possível tratar da AIDS e das relações homoafetivas com dignidade, profundidade e força estética, sem cair em estereótipos ou narrativas marginalizadas.

Então eu vejo assim: é pouco diante do tamanho da urgência, mas é muito diante da conquista simbólica que representa. É um passo enorme, e precisa ser entendido como porta de entrada para que outras histórias venham, para que o tema deixe de ser exceção e passe a fazer parte do nosso repertório cultural de maneira contínua.

Qual a proposta de vocês para a temporada de Um Pequeno Incidente? Ela pode chegar a outros cenários mais populares, como escolas?

RP – A proposta da temporada de Um Pequeno Incidente é justamente ampliar o alcance dessa discussão. A peça nasce para os palcos, mas não queremos que ela se restrinja apenas a um público já acostumado a frequentar teatro.

Nosso desejo é que ela circule, que vá até onde a conversa sobre AIDS e preconceito ainda é tabu. A juventude de hoje não viveu o impacto da epidemia nos anos 1980 e 1990 e, muitas vezes, cresce acreditando que a AIDS não existe mais ou que é um assunto distante da sua realidade.

Levar a peça para teatros variados, empresas, escolas, quem sabe, é plantar uma semente de consciência, empatia e responsabilidade afetiva.

Aproximar o tema das novas gerações, dialogar com comunidades diversas, criar rodas de conversa depois das sessões. Fazer o teatro cumprir a sua função de ponte: entre gerações, entre classes sociais, entre realidades.

Além da peça, como estão seus planos profissionais?

RP- Além de Um Pequeno Incidente, sigo envolvido em diferentes frentes. No teatro, estou desenvolvendo novos textos e projetos que dialogam com questões sociais e afetivas, sempre buscando esse equilíbrio entre humor, drama e reflexão.

Em janeiro estreio HABITAT, com texto de minha autoria com Fernanda de Freitas e Rogério Brito sob direção de Éric Lenate e Lavínia Pannunzio. Clarice e Nelson, com texto meu circula pelo país e este mês estreia em Porto Alegre com Carol César e Marcos Pitombo, depois de temporada no Poeirinha.

Também dirigi o monólogo de humor sobre maternidade com Wanessa Morgado e texto de Andrea Baititucci.

No audiovisual, tenho roteiros em andamento, séries e filmes em fase de desenvolvimento e captação. É um momento de bastante criação e de colocar em prática ideias que venho maturando há anos.

Me interessa muito transitar entre linguagens — do palco à tela — e levar sempre comigo esse olhar para personagens complexos, para histórias que provocam, que emocionam e que possam abrir conversas necessárias.

Então, os planos profissionais estão nesse caminho: multiplicar possibilidades e continuar contando histórias que importam, na TV, teatro ou cinema, sempre com empatia e propósito.

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