
A seca na Amazônia brasileira está ficando mais intensa, e a temperatura da floresta subiu cerca de 2 °C entre 1985 e 2020. É o que revela uma pesquisa conduzida por cientistas da Universidade de São Paulo (USP), publicada na revista Nature. O trabalho analisou 35 anos de dados sobre desmatamento, chuvas e temperatura, mostrando como a perda de vegetação e as emissões globais de gases de efeito estufa afetam diretamente o bioma.
Segundo o levantamento, o desmatamento é responsável por 74,5% da redução das chuvas e 16,5% do aumento das temperaturas durante a estação seca. A cada década, a seca na região aumenta, em média, 12 dias.
A Amazônia foi dividida em 29 blocos de 300 km por 300 km para análise. A partir do cruzamento de dados do MapBiomas e de registros climáticos, os pesquisadores conseguiram identificar como a supressão da vegetação impacta o regime de chuvas e o calor em cada área. A precisão do estudo chegou a 30 metros, permitindo verificar os efeitos em diferentes partes do bioma.
Hoje, a média de perda da cobertura florestal é de 19%, mas em algumas áreas o desmatamento chega a 80%. O cenário preocupa, pois, se a devastação e as emissões seguirem no ritmo atual, a Amazônia pode atingir níveis críticos já em 2035, com eventos extremos mais frequentes e graves.
Impactos locais e globais
De acordo com os pesquisadores, mesmo pequenas perdas de vegetação já trazem efeitos significativos. Com 10% de desmatamento, já há queda acentuada de chuvas e aumento da temperatura local. Quando a supressão ultrapassa 40%, o impacto direto diminui, mas a recuperação florestal se torna muito mais difícil.
“A Amazônia é um sistema complexo e equilibrado. Ela já está impactada, e não há margem para mais fatores de estresse”, alertou o professor Marco Franco, do Instituto de Astronomia da USP, autor principal do estudo. Ele destacou ainda que empreendimentos de grande porte, como mineração e hidrelétricas, podem agravar o desequilíbrio climático.
O professor Luiz Machado, que coordenou parte da pesquisa, reforça que o estudo traz dados objetivos para orientar políticas públicas: “Agora conseguimos mensurar os impactos, o que permite dialogar com governos sobre a responsabilidade do Brasil no desmatamento e sobre os efeitos das emissões globais de outros países sobre a floresta”.
O estudo mostrou que os efeitos não são uniformes em toda a Amazônia.
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Amazônia oriental: onde a vegetação está mais preservada, a redução das chuvas é menor, e o aumento da temperatura se deve, principalmente, às emissões industriais globais.
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Sudeste da Amazônia (ex.: Santarém-PA): o desmatamento pesa mais no aumento da temperatura e na intensificação das secas.
O trabalho aponta que o desmatamento contribui, em média, para a perda anual de 15,8 mm de chuva na estação seca. Já o aquecimento global eleva ainda mais a temperatura máxima, que subiu cerca de 2 °C no período analisado.
Os pesquisadores alertam que, se não houver contenção do desmatamento, haverá queda ainda maior das chuvas e elevação adicional da temperatura nas próximas décadas. O grupo agora pretende projetar cenários até 2100, avaliando riscos para a biodiversidade e a sobrevivência de espécies.
Entre 1985 e 2023, a Amazônia brasileira perdeu 14% da vegetação nativa — o equivalente a 553 mil km², área semelhante à da França. A expansão de pastagens foi o principal motor da devastação, e, apesar da redução recente nos índices, queimadas e avanço agrícola seguem como ameaças constantes.






