Muito se fala sobre o quanto as versões originais dos contos de fadas são bem mais sombrias do que as adaptações contadas pelos clássicos da Disney. A Meia-Irmã Feia, filme norueguês que chegou recentemente aos cinemas do Brasil, eleva ao extremo o que há de mais pesado no conto original de Cinderela. Desta vez, no entanto, sob a perspectiva de Elvira (Lea Myren), uma das duas filhas da madrasta, com novas camadas que tornam o enredo mais autoral e chocante.
No estilo body horror, o longa-metragem tem sido considerado a versão de 2025 do aclamado A Substância (2024). Seja pela linguagem gore, com cenas que testam o desconforto visual do telespectador, seja pela narrativa que, no fundo, escancara pressões estéticas impostas às mulheres, ainda presentes nos dias atuais. Vem saber mais!
A Meia-Irmã Feia e gore como fio condutor de pautas sociais
Primeiro longa-metragem com direção de Emilie Blichfeldt, A Meia-Irmã Feia segue, em grande parte, a cronologia do conto já conhecido de Cinderela. No entanto, gira em torno da preparação de Elvira para conquistar o príncipe Julian (Isac Calmroth) em um baile promovido por ele. Este fato, de maneira isolada, já seria o suficiente para abrir o debate sobre a forma que as mulheres são historicamente pressionadas para se adequar ao olhar masculino.
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O que o telespectador talvez não espera, por outro lado, é a maneira gráfica, propositalmente caricata e trágica, que o longa aborda a pressão psicológica e estética imposta sobre Elvira. Isso inclui inúmeras cenas de métodos e procedimentos extremamente invasivos, arcaicos e controversos aos quais ela se submete – o filme, vale destacar, é ambientado no século 19. A lista vai de rinoplastia a dedos amputados, como o próprio trailer antecipa.



Contraste visual e simbólico
Para ser desejada e obter melhores condições de vida, em meio aos maus bocados financeiros que a família enfrenta, a protagonista interpretada por Lea Myren passa a viver em torno da ideia de se moldar ao que a sociedade esperava para uma “dama” daquela época, seja em comportamento ou beleza. E, como consequência, tem a vida transformada em uma sequência de sofrimento, privações e modificações corporais dolorosas.
O horror narrativo e visual da dolorosa trajetória de Elvira contrasta, de maneira estética, com os penteados trabalhados da beauty artist Anne Chatrine Sauerberg, figurinos repletos de detalhes delicados de época – assinados por Manon Rasmussen – e a fotografia caprichada, inspirada em filmes de contos de fada do Leste Europeu dos anos 1960 e 1970. Um choque convincente o suficiente para emplacar o longa como um dos favoritos de seu gênero entre o público cinéfilo.
“O filme dá continuidade à minha investigação sobre a tirania da beleza e o impacto que ela exerce sobre as mulheres jovens. É um tema profundamente pessoal, após anos lidando com questões de autoimagem e buscando meu lugar dentro da feminilidade”, relatou a diretora e roteirista em um comunicado. “Ao espelhar a dor física da personagem no corpo de quem assiste, espero criar uma conexão visceral que desperte contemplação significativa.”



Problemas antigos, discussão atual
Dessa forma, ainda que ambientado no século 19, o filme funciona como uma metáfora inquietante para refletir o presente. As pressões incorporadas por Elvira se manifestam nos dias atuais em dietas, “canetas emagrecedoras” e rotinas com inúmeras etapas de cosméticos que prometem a perfeição inalcançável. O horror do filme, no fim das contas, está menos no sangue em tela e mais no esgotamento de tentar caber em moldes que nunca foram pensados pelas próprias mulheres.
A Meia-Irmã Feia, mais do que uma releitura trágica de um conto de fadas, transforma diferentes versões da história (especialmente a dos irmãos Grimm) em uma alegoria perturbadora sobre o preço da beleza. Aqui, o encanto das adaptações da Disney dá lugar à mutilação. Cada violência ao corpo de Elvira traduz imposições que continuam a ecoar, como no próprio relato pessoal da diretora.






